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Terceira via é ressentida e não consegue se diferenciar de Lula e Bolsonaro

Terceira via é ressentida e não consegue se diferenciar de Lula e Bolsonaro

Na semana passada, Ciro Gomes (PDT) e Gregorio Duvivier protagonizaram um longo bate-boca, erroneamente chamado de debate, que bem exemplificou a principal característica dos candidatos que se apresentam como terceira via nas eleições de 2022: o ressentimento.

Apesar das aparentes diferenças, Sergio Moro (União Brasil) e Ciro Gomes, os nomes desse grupo mais bem-colocados em pesquisas de intenção de voto, têm em comum um grande desencanto com os projetos políticos que um dia abraçaram. Ciro foi, por três anos, ministro da Integração Nacional de Lula (PT), e Moro foi ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro (PL), a quem também apoiou eleitoralmente.

Aqui cabe fazer uma diferenciação importante: há o apoio ainda no primeiro turno das eleições e há o papel de composição da coalizão de governo. A distinção importa porque nosso sistema político tem incentivos contraditórios nas arenas eleitoral e legislativa.

Por um lado, o sistema eleitoral proporcional de lista aberta incentiva a competição entre candidatos da mesma legenda e, por consequência, o comportamento personalista. Por outro, toda a estrutura de distribuição de cargos e participação no processo decisório se dá pelo critério partidário.

A chamada terceira via é composta sobretudo por uma longa lista de ex-apoiadores de Bolsonaro. O projeto de candidatura à Presidência de quase todos eles ficou pelo caminho. Ministro da Saúde no início da pandemia, Luiz Henrique Mandetta (União Brasil) agora ensaia uma aproximação com outro ex-aliado de Bolsonaro, Luciano Bivar, para talvez disputar o Senado por seu estado, o Mato Grosso do Sul

Fundador do PSL, Bivar articulou a candidatura de Bolsonaro pelo partido em 2018. Com a saída de Bolsonaro do PSL e a posterior fusão do partido com o Democratas, formando o União Brasil, Bivar, presidente da nova sigla, ocupa o papel da viúva dona do cofre e também tenta uma candidatura pouco animada, visando colher um papel relevante no futuro governo eleito.

No primeiro turno, a solução do União de manter candidatura própria soluciona um possível conflito com ACM Neto, outra liderança do partido, que olha para o eleitorado baiano e seu amplo apoio ao candidato petista. A solução é a velha estratégia de acender uma vela para Deus e outra para o Diabo, enquanto se aguarda o resultado do primeiro turno para reafirmar a velha máxima do centrão: “Hay governo, soy a favor”.

Tampouco vingaram nomes com relações menos nítidas com o governo Bolsonaro, como Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado de apurado equilíbrio em cima do muro, e Alessandro Vieira (PSDB), ora crítico do governo, ora delegado apoiador da expansão do direito ao porte de armas.

O PSDB, por sinal, respira por aparelhos. Correndo o risco de perder o estado de São Paulo, que governa desde 1995, com exceção de pequenos períodos em que assumiram os vices, o partido parece estar longe de se recuperar dos conflitos internos resultantes do confuso processo de prévias que escolheu João Doria como candidato à Presidência, em detrimento de Eduardo Leite.

A candidatura de Doria nunca contou com adesão total do PSDB, tanto que ele e Leite continuaram a disputa por apoio interno mesmo depois das prévias. O ressentimento os movia. Pressionado por lideranças tucanas por apresentar alta rejeição e baixo potencial de votos, Doria anunciou nesta segunda-feira (23) sua saída da corrida presidencial.

Doria e Leite parecem ter chegado ao ponto de estarem dispostos a renunciar à própria candidatura desde que o outro não seja o escolhido.

A cúpula do PSDB pretende apoiar a senadora Simone Tebet (MDB-MS), consolidando, ao lado também do Cidadania, uma candidatura única da terceira via. Resta saber se tucanos estarão dispostos a investir o fundo eleitoral em uma candidatura de outro partido, em vez de alocar os recursos na disputa pela Câmara do Deputados. Os votos recebidos para a Câmara irão determinar a verba que o partido receberá no futuro.

Há ainda uma ala tucana liderada pelo deputado Aécio Neves, que ainda almeja um nome próprio na eleição, de preferência Eduardo Leite. Não parece haver consenso a curto prazo.

Como unidade e disciplina também nunca foram os pontos fortes do MDB, Tebet sabe que suas chances estão no apoio de PSDB/Cidadania e no eleitorado de direita que não abraçou o bolsonarismo. Caso confirmada, a união dos três partidos em torno de Tebet será mais um resultado do ressentimento entre Doria e Leite.

Ocorre que o ressentimento é um sentimento solitário e com poucos resultados eleitorais. Ciro tem grande dificuldade de explicar as diferenças de sua orientação programática em relação à candidatura do PT para além do ódio à figura de Lula.

Moro também teve dificuldade de comunicar um projeto amplo e ideológico, no melhor sentido da palavra, que justificasse uma candidatura ao Executivo. Trocou de partido, do Podemos para o União Brasil, para tentar se fortalecer, mas esbarrou na resistência do grupo de ACM Neto e no forte apoio a Lula na Bahia. Para além da verborragia, quais as grandes diferenças entre o projeto de Bolsonaro e de Moro?

As pesquisas mais recentes colocam no topo das preocupações dos eleitores as questões econômicas —inflação, desemprego, salário mínimo– e de políticas públicas –educação e saúde. A forte onda anticorrupção que pautou as eleições de 2018 chega a 2022 como uma pequena marola pós-pandemia.

Não à toa, as candidaturas ressentidas não engatam porque não conseguem se diferenciar dos projetos políticos que um dia apoiaram. O próprio termo terceira via parece inadequado para descrever essas candidaturas que não são nem Lula nem Bolsonaro.

O termo foi primeiro utilizado por Anthony Giddens no contexto britânico, descrevendo uma nova ideologia que fugisse à dicotomia neoliberais versus social-democratas, sendo, nessa visão, mais adequada ao contexto de globalização e crescente complexidade das demandas políticas da população. A ideia parecia muito adequada naquele final dos anos 1990, quando as ideologias davam a impressão de estar enfraquecidas e as ideias de fim da história e pós-modernidade pautavam os debates.

O espanhol Vicente Navarro, contudo, criticou a obra de Giddens, acusando-o sobretudo de apontar na Inglaterra uma grande novidade que já seria velha conhecida no resto da Europa. O inglês estaria propondo um local do espectro político que estivesse na metade do caminho entre a tradicional dicotomia trabalhistas/conservadores. A crítica de Navarro a Giddens também se aplica ao caso brasileiro.

Falar da necessidade de uma terceira via no Brasil é o mesmo que dizer que precisamos encontrar algo situado entre o trabalhismo do PT e o conservadorismo de Bolsonaro. Ocorre que nosso espectro político partidário já comporta tantas outras opções além dessas duas.

O presidencialismo de coalizão também gera incentivos para que, independentemente do resultado das urnas, o eleito para a chefia de governo ceda para se adequar ao Congresso, em que são colocadas as demandas de tantas outras correntes políticas.

Se, portanto, esses diferentes pontos do espectro já estão representados no Parlamento, o desejo por um chefe do Executivo que não seja nem Lula nem Bolsonaro parece ser mais um sintoma desse personalismo político que resulta em picuinhas pessoais pouco úteis a um debate político frutífero.

O Brasil não precisa de um candidato que encarne a terceira via. Precisa que as demandas desse eleitorado estejam contempladas, seja qual for o chefe do Executivo, por meio do Congresso e da coalizão de governo. O resto é mágoa e ressentimento.


Graziella Testa, doutora em ciência política e professora da FGV

Fonte: https://www.folha.uol.com.br