Michel Temer é um político cuidadoso com as palavras. Mesmo assim, comete alguns deslizes. Na segunda-feira
, ele incorreu num típico ato falho. Em entrevista ao “Roda Viva”, usou o termo “golpe” ao comentar o processo que o alçou à Presidência.
“Eu jamais apoiei ou fiz empenho pelo golpe”, disse. “Eu não era adepto do golpe”, insistiu. “Eu não poderia ser o articulador de um golpe”, acrescentou.
Em outro momento, Temer esclareceu que não considerava o impeachment um golpe. Nas redes sociais, o estrago já estava feito. Ao usar a palavra que tanto combateu, o ex-presidente fez a festa dos adversários. Para quem já o chamava de golpista, a entrevista soou como uma confissão.
Três anos depois, a derrubada de Dilma Rousseff ainda motiva discussões acaloradas. No sentido clássico, não houve golpe. O impeachment está previsto na Constituição, e o processo seguiu o rito determinado pelo Supremo. Ao contrário do que ocorreu em 1964, os tanques permaneceram nos quartéis.
No sentido popular, a coisa é mais complicada. Há quatro dias, a doutora Janaína Paschoal admitiu que a ex-presidente não foi derrubada por um “problema contábil”. O Congresso usou as chamadas pedaladas fiscais como um pretexto formal para removê-la. Nesta linha, é possível falar num golpe parlamentar.
Na versão de Temer ao “Roda Viva”, o poder caiu em seu colo sem que ele precisasse sujar as mãos. “O senhor nunca conspirou nem um pouquinho contra a Dilma?”, provocou o jornalista Ricardo Noblat. “Não. Eu não conspirei”, respondeu o emedebista, sem corar.
Para quem acompanhou a crise de 2016, é difícil engolir esta conversa. Temer agiu à luz do dia para tomar a cadeira da ex-aliada. Prometeu “reunificar o país”, lançou um programa para o mercado e acenou com proteção a políticos investigados.
A blindagem não funcionou por muito tempo, mas ele conseguiu concluir o mandato. Desde que passou a faixa, o ex-presidente já foi preso duas vezes. Agora ele quer reescrever a História, mas deveria estar mais preocupado com o julgamento dos tribunais.
Jornalista