Quarenta e oito horas depois, tudo é mistério e silêncio sobre a morte do miliciano Adriano Nobrega, domingo, no interior da Bahia.
Foi queima de arquivo? Houve confronto? Há fotos do corpo? Quem o protegeu na sua fuga? Que segredos guardavam seus 13 celulares? Onde será o enterro?
A família presidencial limitou-se a soltar uma nota do seu advogado, negando qualquer relação com o falecido, que o então deputado Jair Bolsonaro já defendeu da tribuna da Câmara.
Pelo segundo dia seguido, Jair Bolsonaro simplesmente negou-se a falar com os jornalistas sobre o acontecido.
Preferiu exaltar Donald Trump aos seus seguidores na porta do Alvorada. O que Trump teria a ver com isso?
Várias vezes homenageado pelos Bolsonaros, o ex-capitão do Bope da PM era o chefe do Escritório do Crime de Rio das Ostras, acusado de vários crimes e investigado por sua participação no esquema de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembléia Legislativa do Rio, onde trabalhavam a mãe e a ex-mulher de Nobrega, sob o comando do ex-PM Fabrício Queiroz.
Foragido há mais de um ano, o miliciano também era próximo dos dois ex-PMs acusados do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, que saíram do condomínio Vivendas da Barra para cometer o bárbaro crime.
Impressionante como a Policia Militar do Rio fornece mão de obra para as milícias, que hoje dominam boa parte do Rio de Janeiro e estão infiltradas nos três poderes.
A única manifestação do governo até agora veio do sempre prestativo procurador geral Augusto Aras, que voltou a pedir a federalização das investigações, como o ministro da Justiça Sergio Moro já havia feito no ano passado.
Sem mais delongas, querem colocar o caso nas mãos da Polícia Federal subordinada a Moro, que acaba de livrar a cara de Flávio Bolsonaro em vários crimes de que era acusado no Rio.
Não parece tudo muito estranho?
Por onde andam aqueles repórteres investigativos tão empenhados em vazar as investigações da Lava Jato sobre Lula e o PT?
Por que será que nenhum deles se interessou até agora em saber o que aconteceu na Bahia, desde o primeiro cerco à mansão onde Nobrega estava escondido, na Costa do Sauípe, antes de fugir para o interior?
Não seria o caso de ir a Rio das Ostras para apurar as ligações de Antonio Nóbrega com o crime organizado e a política, ouvir seus comparsas, mergulhar neste submundo que estendeu seus tentáculos até Brasília, como se viu no premonitório final do filme “Tropa de Elite 2”?
Que fim levaram as investigações sobre as dezenas de funcionários recrutados pelo esquema de Queiroz para alimentar o esquema das “rachadinhas”?
Por falar nisso, que fim levou Fabrício Queiroz? Evaporou?
A quantas andam as investigações sobre os mandantes da execução de Marielle, dois anos após a prisão dos autores dos disparos?
Pautas não faltam, mas ninguém parece interessado em juntar as pontas desse imbroglio federal assolado por fantasmas e coincidências que levam sempre aos mesmos personagens.
Se algum repórter ousa tocar no assunto diante do presidente, no cercadinho do Alvorada, ele solta os cachorros em cima dos jornalistas, xinga a mãe, dá uma banana, e vira as costas.
Até quando assistiremos a este espetáculo deprimente de humilhações e subserviência?
Daqui a pouco, ninguém fala mais no assunto, e voltaremos a tratar só das “reformas” reivindicadas pelo mercado, enquanto as maiores aberrações e evidências de maracutaias logo são “normalizadas”.
Com tantas famílias desabrigadas pelas enchentes e 11 milhões sem emprego, este ano a Quarta-Feira de Cinzas parece ter chegado antes do Carnaval.
Vida que segue.
Ricardo Kotscho, repórter desde 1964
Fonte: https://www.balaiodokotscho.com.br