A pandemia devastou o mundo e mudou nossas vidas, em coisas grandes e pequenas. Até as pesquisas de opinião mudaram.
Desapareceram as pesquisas face-a-face, nas quais há uma interação direta entre entrevistados e entrevistadores. A expressão é literal: entrevistadores e entrevistadoras aplicam seus questionários olhando nos olhos das pessoas. São conversas que podem ocorrer em vários lugares: nas residências, na rua, na porta da fábrica. No domicílio são mais proveitosas, mas as outras opções também são boas. O importante é o contato pessoal.
Mundo afora, por motivos óbvios, essas pesquisas deixaram de ser feitas depois do início da pandemia. A regra foi sua substituição por métodos indiretos de contato, o telefone e a internet.
Para a pesquisa de determinados temas e públicos, a mudança é irrelevante. Se o interesse é conhecer, por exemplo, a propensão a investir dos clientes de um banco, o telefone é a melhor opção. Se o assunto são as atitudes em relação à publicidade on-line, o modo preferível de realizá-la é na rede.
Pesquisas de opinião pública, especialmente de temas políticos, são outra coisa. Há países em que é legítimo conduzi-las por telefone ou internet, e há outros em que é necessário tratar com cautela as que são feitas sem interação direta com os entrevistados.
Nos EUA, por exemplo, o voto é facultativo e a maioria dos eleitores que se registra indica o partido com que se identifica (assim se habilitando, na quase totalidade dos estados, a participar das prévias partidárias para escolha de candidatos). Isso significa que os institutos de pesquisa dispõem de listas, por circunscrição eleitoral, com os nomes e contatos dos eleitores, sabendo seu partido ou se são “independentes”. Os eleitores registrados são cidadãos que escolheram participar do processo eleitoral, e que se sentem motivados e em condições de votar.
Pessoas com esse perfil dispensam o estímulo da presença física do entrevistador para falar a respeito de temas políticos e não é complicado contatá-las por telefone (até porque o acesso à telefonia é quase universal por lá). Mesmo assim, no entanto, os americanos estão vendo uma crescente revalorização das entrevistas pessoais, as que melhor captaram as intenções de voto na eleição presidencial de 2016.
Vivemos em outro mundo no Brasil. Todos somos obrigados a votar, mesmo quem tem baixo ou nenhum interesse por assuntos políticos, que representam mais de 50% eleitorado e perto de 80% das pessoas de baixa escolaridade. Ainda é grande a parcela da população sem acesso ao telefone, concentrada entre os mais pobres. É vasta a proporção dos que não têm computadores, bons aparelhos celulares ou familiaridade com seu uso, especialmente, de novo, entre os pobres.
Imaginar que, na nossa realidade, é possível obter, através de pesquisas indiretas, amostras representativas do eleitorado é uma fantasia. Nem usando a telefonia celular, que é a opção menos ruim: encontrar alguém sem interesse por política que aceita conceder uma entrevista e interrompe seus afazeres para ficar falando ao celular por 20 minutos ou meia hora, sem o estímulo da presença física do entrevistador e sem nada que o encoraje a responder, é procurar agulha em palheiro. As amostras conseguidas precisam ser “consertadas”, através de ponderações estatísticas drásticas em algumas faixas do eleitorado, “inchando” umas e “desinchando” outras.
Temos ampla evidência, baseada em pesquisas com amostras efetivamente representativas, de que questões como a avaliação do governo, da política econômica, a imagem de lideranças e as intenções de voto são correlacionadas com a classe social e as condições de vida das pessoas. Ricos gostam mais de Bolsonaro do que pobres, brancos do que negros, universitários do que pessoas de baixa escolaridade. Lula e o PT são mais bem avaliados pelos mais pobres, os negros e os menos escolarizados.
Por telefone, a pesquisa tende a super-representar os primeiros e sub-representar os segundos. Tende, portanto, a ser mais favorável ao capitão e mais desfavorável ao ex-presidente. Não há estatística que corrija o viés.
Vamos fazendo o que dá para fazer hoje em dia, mas é preciso não esquecer que o retrato que sai das pesquisas atuais é impreciso e distorcido, sistematicamente, em favor de uns e em detrimento de outros. Quem se esquece disso é quem acha que dá para conhecer a imagem do Corinthians ouvindo palmeirenses.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Fonte: https://www.brasil247.com