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Reforma do IR fica aquém de corrigir injustiças

Reforma do IR fica aquém de corrigir injustiças

Proposta do governo traz avanço, mas não enfrenta regimes especiais que geram as maiores distorções

O projeto de reforma do Imposto de Renda (IR) enviado pelo governo ao Congresso parte de um diagnóstico correto: o regime tributário brasileiro é repleto de distorções. Quem está nas faixas de renda mais baixas acaba, proporcionalmente, pagando mais imposto — no jargão técnico, o IR é “regressivo”. Ao elevar o limite de isenção de R$ 2.824 para R$ 5 mil por mês e ao reduzir alíquotas para quem ganha até R$ 7 mil, o governo procura reparar essa injustiça e cumprir uma promessa de campanha que deve beneficiar 10 milhões de contribuintes. A reforma proposta representa sem dúvida um avanço, mas fica aquém de corrigir as distorções que tornam injustos os impostos brasileiros, além de ter efeito fiscal incerto.

É meritória a tentativa de tornar a cobrança de impostos no Brasil menos regressiva. Os contribuintes de renda mais alta hoje pagam taxas menores. A alíquota efetiva (percentual calculado depois de todos os descontos permitidos na declaração) sobe de acordo com o rendimento até chegar ao topo da pirâmide. A partir dos 5% que mais ganham, começa a cair. Isso acontece por diferentes motivos. A maior distorção: os rendimentos de quem ganha mais costumam ser recebidos na forma de dividendos, pagos por empresas que se valem de regimes especiais de tributação, como Simples ou Lucro Presumido. Tal mecanismo beneficia médicos, advogados, profissionais liberais e contratados como pessoa jurídica.

A proposta do governo tenta taxar dividendos e outros rendimentos hoje isentos para cobrir o que deixará de receber com isenção e redução de alíquotas — um buraco estimado em R$ 27 bilhões. Faz isso por meio de um mecanismo engenhoso. Os 141 mil contribuintes que ganham acima de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil mensais) deverão pagar uma alíquota efetiva mínima. Ela subirá gradativamente, até chegar a 10% para quem recebe R$ 1,2 milhão ou mais.

A explicação da isenção para os dividendos distribuídos por empresas a seus sócios está na alíquota paga pelas próprias empresas, ao redor de 34% — uma das mais altas do mundo. Se apenas taxasse os dividendos, o governo ampliaria a carga total de impostos que pesa sobre o investidor, criando um desincentivo a quem aposta seu capital no Brasil. Para evitar isso, a solução encontrada foi determinar um teto para os tributos. Se a soma do que a empresa recolher em impostos com o que o sócio pagar de IR for maior que 34%, a diferença será devolvida.

Apesar da cautela, a proposta do governo ainda padece de deficiências. Há dúvidas sobre como será posta em prática. E persiste, além disso, a distorção criada pelos regimes especiais. Não houve preocupação em criar uma situação de neutralidade tributária, em que as alíquotas dos diferentes regimes deixariam de criar distorções. É verdade que uma reforma no Simples ou no Lucro Presumido enfrentaria resistência no Congresso e teria alto custo político para o governo. Mas a saída escolhida não deixa de ser um remendo.

Na análise que o Congresso fará do projeto, duas balizas são essenciais. A primeira é não sobretaxar os empresários, que já pagam uma das maiores alíquotas corporativas do mundo. A segunda é não criar exceções que desfigurem a proposta e aumentem seu risco fiscal. A situação das contas públicas é grave e não permite barbeiragens.