A carta dirigida à Nação com desculpas ao Supremo Tribunal Federal e reverências à separação constitucional dos poderes é uma versão impressa de outras metamorfoses do presidente Bolsonaro. Por isso é recebida com reservas e desconfiança.
Ao passar dos limites em palavras e atos, entremeados de recuos premeditados, Bolsonaro jogou fora o maior patrimônio de um político – a credibilidade. Se o método de avanços e recuos serviu para manter a militância fiel até aqui, custou-lhe a confiança que agora fará falta.
Por isso o manifesto, a que foi levado a divulgar pelo ex-presidente Michel Temer, será visto por algum tempo como um recuo tático a demonstrar que se espera, em qualquer momento, uma recaída do presidente. Não há um novo Bolsonaro, mas outro rendido pelas circunstâncias.
A rigor, políticos, instituições e mercado vinculam a repentina guinada presidencial à percepção de sua vulnerabilidade a ações mais diretas do Judiciário, que já alertara para o crime de responsabilidade, em um cenário dramático de inflação alta, crise energética, desemprego brutal, dólar em alta e problemas fiscais de alto risco.
Ao agravar a instabilidade, ameaçando descumprir decisão judicial, incitando caminhoneiros e colocando sob suspeição as eleições de 2022, Bolsonaro derrubou a bolsa e conspirou contra si mesmo. As reações duras dos presidentes Luiz Fux, do STF, e Roberto Barroso, do TSE, e até a do presidente da Câmara, Arthur Lira, completaram o cerco.
Este último, sempre mais brando do que o momento pede, demonstrou a dificuldade de o Centrão cumprir os compromissos com o governo por falta de clima no Congresso que travou as pautas em reação ao descontrole presidencial.
As primeiras avaliações se voltam para o prazo de validade do manifesto presidencial – se uma trégua ou linha de atuação daqui em diante. A primeira hipótese é reforçada pelo histórico de Bolsonaro. Na segunda, a credibilidade não se baseia na sua palavra, mas no grau de risco permanente que corre de não terminar o mandato.
A imprevisibilidade do comportamento do presidente continua como moeda podre nos mercados político, empresarial e financeiro, a conspirar contra a euforia de ontem na Bolsa, após a divulgação do manifesto. Será preciso mais tempo para que a estabilidade necessária ao trabalho de reconstrução do país se consolide.
Trocando em miúdos, o manifesto traz uma dose de alívio, mas sua eficácia está diretamente vinculada à permanência da vertigem que fez o presidente assiná-lo. Bolsonaro não conseguiu maquiar o caráter de rendição do texto que recebeu para assinar. A justificativa para seus atos – “o calor do momento” – é uma peça das mais humilhantes da história política recente.
Não por acaso, a reação de seus seguidores nas redes sociais foi da frustração à raiva. Principalmente pelo telefonema providenciado por Temer, em que se retratou com Alexandre de Moraes. Pelas manifestações, o mito acabou para seus fiéis.
Resta que o manifesto confirma o blefe da força popular e do apoio das Forças Armadas com o qual Bolsonaro conseguiu manter a tensão institucional até agora. As reações afirmativas do Judiciário, a paralisação da pauta no Senado, o controle das polícias militares pelos governadores e as pesquisas que neutralizam as imagens das manifestações do 7 de Setembro.
João Bosco Rabello, jornalista
Fonte: https://capitalpolitico.com