A frase para entender como oficiais de alta patente se envolvem em esquemas de golpe, como o que a Polícia Federal afirma ter desvendado, seria aquela de Bolsonaro: “o Exército é meu”. Não era nem nunca foi, mas os comandantes militares deixaram parecer que fosse.
Está nessa complacência a raiz da indisciplina e insubordinação, que sempre acompanham a politização de forças armadas. Contudo, a complacência de chefias militares diante da erosão da própria instituição não foi uma atitude deliberada ou talvez sequer consciente.
Já tinham perdido a mão quando decidiram não punir o general Pazuello por participar de ato político em 2021. O comando formal da arma manteve-se intacto mas a autoridade do comando esvaiu-se.
É consenso hoje que o Alto Comando do Exército jamais apoiou, nem cultivou a hipótese de golpe para manter o capitão Jair Bolsonaro no poder. Mas vários de seus integrantes sabiam da desenvoltura com que oficiais imediatamente abaixo do generalato circulavam – literalmente – pelos corredores do poder espalhando ideias do tipo.
“Quem faz a cabeça dele”, dizia, referindo-se a Bolsonaro, um general que integrava o círculo íntimo do poder, “são esses malucos de ajudantes de ordens, assessores e coronéis”. Quanto a cabeça de Bolsonaro incentivou esses oficiais de alta patente a dizer o que ele gostaria de ouvir ou se ele mesmo os “liderou” só se saberá quando a denúncia da PGR for julgada e as provas forem examinadas. O ímpeto político de oficiais é um “clássico” fartamente examinado nos livros de História. Especialmente sua capacidade de pressionar, peitar ou até criar fatos consumados para os próprios superiores.
Essa era, aliás, uma das preocupações do então comandante do Exército, General Villas Bôas, quando numa manhã, em 2018, um magistrado mandou soltar Lula e outro mandou deixá-lo na cadeia. “Um coronel cabeça quente estaciona um jipe bloqueando a carceragem em Curitiba e ninguém mais controla a situação”, comentava. O problema abrangente que transpira do material até aqui revelado pela PF não tem a ver apenas com “cabeças quentes” fardados e armados. É o clima “pervasivo” de degradação institucional do qual Bolsonaro virou o retrato 3 x 4, e que arrastou oficiais bem treinados. O indivíduo Bolsonaro terá de enfrentar agora uma dificílima batalha jurídica para escapar de condenação e prisão, enquanto permanece inelegível. Talvez se console na constatação de seguir influenciando um nutrido grupo de eleitores, não importa o que se diga ou se revele sobre ele. Quanto ao “seu” exército, os danos da politização ainda estão sendo consertados, uma lição que se julgava aprendida.
William Waack, jornalista
Fonte: https://www.estadao.com.br/