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Quatro desafios para a esquerda nas eleições de novembro

As eleições municipais de 2020 ocorrerão em um cenário marcado pelo desastroso governo do presidente Jair Bolsonaro, com o avanço desenfreado da pandemia da Covid-19, que já levou a vida de mais de 70 mil brasileiros e uma crise econômica e social sem precedentes – com milhões de desempregados e da paralisia completa da economia real, achatando as condições de vida dos trabalhadores e da classe média empobrecida. Além disso, a política econômica neoliberal de Paulo Guedes promove o mais amplo e completo desmonte do estado nacional e dos instrumentos estatais de políticas públicas.

Ao mesmo tempo, uma intensa luta política e cultural atravessa o país, polarizando as opiniões sobre a permanência ou a saída do governo da extrema-direita que ocupa o Palácio do Planalto. Diante da escalada de ameaças golpistas de Bolsonaro e dos generais, nos últimos meses, setores do establishment e da velha direita neoliberal – representada por partidos como PSDB, DEM, MDB, entre outros – operam uma política de contenção do bolsonarismo via as instituições de Estado: STF, Congresso Nacional e setores do Ministério Público Federal (MPF).

No campo da oposição, existe uma forte divisão sobre qual a melhor tática para enfrentar e derrotar o governo Bolsonaro. Partidos de centro-esquerda (PDT, PSB, Rede, PV e Cidadania) defendem uma aliança com as velhas forças da direita na chamada “Frente Ampla”, já rechaçada pelo presidente Lula, ainda a principal liderança popular do país. A oposição de esquerda integrada pelo PT, PSOL, PCB, UP e PCO batalham pelo “Fora Bolsonaro e impulsionam uma campanha pelo impeachment da chapa Bolsonaro e Mourão. O PCdoB oscila entre as duas posições, mas defende a tese da “Frente Ampla”.

É nesse contexto que a esquerda vai para a disputa eleitoral de novembro. Ainda com Lula sem os direitos políticos, que foram subtraídos pela farsesca e criminosa operação Lava Jato.

Neste sentido, quatro desafios estão postos de forma praticamente irrecusável para a esquerda no processo eleitoral em construção:

1). A busca da unidade possivel: Em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte o cenário, até o momento, é preocupante, com a dispersão da esquerda em várias candidaturas. Em SP, a candidatura de Guilherme Boulos, pelo PSOL, apresenta maior musculatura política, segundo as ultimas pesquisas. Jilmar Tatto (PT) segue estagnado em torno de minguados 2% e 3%. O PCdoB lançou o deputado federal Orlando Silva. Ou seja, um quadro de dispersão da esquerda, o que pode facilitar a recondução do tucano Bruno Covas ao governo paulistano, um aliado estratégico do governador João Doria. É necessária a redefinição da tática eleitoral do PT em São Paulo. Ou o PT apresenta Fernando Haddad, nome com maior potencial do partido, ou opera uma aliança já no 1º turno com Boulos. No Rio de Janeiro, com a desistência de Marcelo Freixo, o quadro aponta para a fragmentação da esquerda com Benedita da Silva pelo PT, uma candidatura do PSOL e a centro-esquerda (PDT e PSB) apresentando a delegada Marta Rocha, bem situada nas pesquisas.

Em Belo Horizonte, se repete também o quadro de fragmentação com o PT que lançou o ex-ministro Nilmário Miranda, o PSOL lançou a deputada federal Áurea Carolina e o PCdoB também terá candidatura própria.

Em Porto Alegre e Belém foi possível avançar em chapas mais unitárias. Em Porto Alegre, o PT indicou o ex-ministro Miguel Rossetto para a vice de Manuela D’Ávila (PCdoB). O PSOL ainda hesita em apoiar a fórmula encabeçada por Manu. Em Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) unifica a esquerda (PT e PCdoB) e avançou em alianças com partidos da centro-esquerda como PSB, PDT e Rede. Em Recife, o PT segue dividido entre lançar a candidatura da deputada federal Marília Arraes e o apoio ao grupo da família Campos, que controla o PSB – e conta com o apoio do PCdoB.

É urgente um esforço das lideranças dos partidos de esquerda – principalmente do PT, PSOL e PCdoB – no sentido da construção de uma agenda unitária para as eleições municipais, respeitando os processos internos de cada legenda e as dinâmicas de autoconstrução partidária, ditadas pela atual legislação eleitoral.

Buscar a unidade possível, sem exclusivismos e preconceitos, como uma resposta política organizada da esquerda para abrir caminho por um novo projeto de país é um desafio posto nesta conjuntura.

2) Nacionalizar a campanha e impulsionar o “Fora Bolsonaro: Uma campanha combativa de denúncia e protesto contra o governo Bolsonaro e das mazelas de seu desgoverno: desemprego massivo, descaso com os efeitos da pandemia do coronavírus na população e do desmonte dos serviços públicos de atendimento da população – SUS, filas para receber a aposentadoria no INSS, desmonte do sistema público de procura de empregos, dificuldades para acessar o BPC (Benefício de Prestação Continuada para idosos e deficientes), o FIES (financiamento estudantil), regressão no Programa Minha Casa Minha Vida, desmonte das políticas públicas na área cultural, violência policial contra os jovens nas periferias, pela extensão do auxílio emergencial, entre outras questões;

3) Uma agenda antineoliberal nas eleições municipais: Nas capitais e regiões metropolitanas é indispensável a ligação entre os problemas locais com as questões nacionais que entravam o desenvolvimento dos municípios: EC 95 (teto dos gastos), ajuste fiscal regressivo de Paulo Guedes, novo Pacto Federativo, Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundeb (financiamento do ensino básico e creches). Evitar o discurso localista e despolitizado, com proposições melhoristas sem levar em conta a agenda de Bolsonaro e Paulo Guedes que sufocam as gestões municipais.

4) Reatar com a classe trabalhadora e a população mais pobre: A esquerda deve aproveitar as eleições municipais para reatar com os setores da classe trabalhadora e do numeroso e vasto precariado que foram capturados pelo bolsonarismo. Somente com uma forte denúncia do governo Bolsonaro e de suas ações contra os trabalhadores e a população mais pobre será possível provocar o descolamento desses setores – que são os mais afetados pela crise econômica-social e sanitária em curso. É o povo trabalhador e excluído que foi chamado, mais uma vez, a pagar a conta da crise do modelo capitalista neoliberal com desemprego, redução de salários, retirada de direitos, precarização laboral sem precedentes e a ampliação da miséria. A mobilização dos trabalhadores de aplicativos, das torcidas organizadas e dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde pública indicam o rumo para esquerda incendiar novamente o imaginário e as esperanças das massas trabalhadores e pobres do país, atores sociais fundamentais para derrotar o projeto da classe dominante de recolonização do Brasil.


Milton Alves, Jornalista e sociólogo

Fonte: https://www.brasil247.com