Nos próximos dias, a reforma tributária voltará a se movimentar no Congresso. A Câmara dos Deputados vai analisar as alterações que o Senado Federal fez no texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45.
O intuito nas duas casas legislativas é promulgar o texto ainda neste ano, fechando em grande estilo os trabalhos no ano de 2023: além de haver estabelecido um novo marco fiscal para as contas públicas, terá aprovado uma reforma crucial para a competitividade da economia brasileira, após quase quatro décadas de tentativas fracassadas.
Nada mau para um ano que começou com invasão e vandalismo nas sedes dos três Poderes da República, no mais grave atentado à democracia brasileira desde o fim da ditadura militar.
Apenas dois exemplos de como a reforma pode melhorar o funcionamento das empresas. O primeiro: pretende acabar com as discussões sobre quais aquisições geram ou não geram crédito tributário (depende se item comprado é ou não usado na produção). O segundo: quer uniformizar as regras dos impostos estaduais e municipais sobre o consumo.
Na visão do governo e de especialistas, a reforma tributária pecou pelo excesso de tratamentos favorecidos a produtos e serviços. Não tanto pelo mérito, maior em uns do que em outros, mas pela complexidade que isso traz ao sistema e pelo impacto de alta na taxação dos não favorecidos.
A lista é enorme: alíquota 30% menor para serviços de profissão intelectual, redução de 60% para bens e serviços relacionados à segurança nacional e para sucos de fruta sem adição de açúcares e conservantes. E por aí vai.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem um plano que permite retirar excessos do texto aprovado pelos senadores. Envolve suprimir os pontos que não são de consenso entre as duas casas do Legislativo, para promulgar apenas o que é de comum acordo - justamente onde está o principal da reforma. Não haveria fatiamento, e sim uma espécie de “lipo” na PEC.
A ideia só não é perfeita do ponto de vista de quem acha que a reforma tem exceções demais porque depende da concordância dos senadores. E não foi por acaso que a PEC ganhou acréscimos no Senado. Era preciso conquistar os votos necessários à sua aprovação. É por isso que o trabalho do relator da proposta naquela casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM) ganhou do Ministério da Fazenda notas 7,5 pelo conteúdo e 9 pela condução política.
Para fazer justiça: a PEC 45 saiu da Câmara com um conjunto de tratamentos favorecidos tal que, para manter o atual nível de arrecadação, como é objetivo do governo, seria preciso uma alíquota da ordem de 27% (seria de 22,02%, se não houvesse as exceções). No texto que saiu do Senado, a alíquota estimada subiu para algo como 27,5%. Se a “lipo” tende a ser limitada, a complexidade terá de ser combatida em outra frente: a legislação complementar.
Essas leis, cujas propostas serão encaminhadas ao Congresso no ano que vem, dirão exatamente o que se enquadra nas alíquotas favorecidas. A ideia é delimitar o alcance das exceções.
Assim que a PEC 45 for promulgada, o governo federal convidará Estados e municípios para discutir as propostas de leis complementares. Serão criados grupos de trabalho para detalhar os pontos mais complexos. Por exemplo, como será a tributação das transações imobiliárias. Ou como será transição federativa.
Paralelamente, avançam os trabalhos para a operacionalização dos novos tributos sobre o consumo. Uma ideia é atrelar a cobrança dos impostos aos meios de pagamento. Assim, no mesmo instante da compra, o imposto seria arrecadado e distribuído a Estados e municípios.
Não se deve confundir isso com a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), que foi cobrada de 1997 a 2007. Aquela era uma tributação sobre operações bancárias, como saques. O que se constrói agora é uma nova forma de cobrar o que os consumidores já pagam hoje.
“Imposto insonegável” é uma expressão considerada forte até pelos mais otimistas. Mas é essa a ideia por trás desse novo sistema.
É por isso que, nas contas dos economistas do governo, a taxação sobre o consumo deverá ficar em torno dos 27,5%, ante os 34,4% cobrados atualmente. Estima-se que haverá menos sonegação e também menos perda de receitas decorrentes de elisão (utilização de “brechas” na lei para pagar menos), inadimplência e judicialização.
A tributação sobre o consumo demandará muita discussão ao longo dos próximos anos.
Paralelamente, o governo quer iniciar os debates sobre a reforma do Imposto de Renda. Essa é dividida em três capítulos: pessoas físicas, empresas e trabalho. Os atuais debates sobre taxação de fundos exclusivos e fundos offshore são partes antecipadas desse conjunto.
Nesse cenário de importantes reformas nos impostos e contribuições, a ausência mais sentida é a da perspectiva de redução da carga tributária. Basta pegar um Uber para perceber a quantas anda a fama de “taxador” do atual governo. Esse é um ponto que deveria demandar atenção, inclusive porque 2024 é ano de eleições.