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Por que a reforma tributária agora vai

Por que a reforma tributária agora vai

Foi preciso que São Paulo passasse a ser governado por um carioca para baixar a guarda na reforma tributária. A origem de Tarcísio de Freitas, porém, é que menos conta na história. A chave, para ficar no trocadilho da reforma em curso, é o destino.

É verdade, como tem dito o próprio governador, que todos os seus antecessores fizeram oposição às sucessivas tentativas de reforma tributária ao longo das últimas três décadas. E é fato também que nenhum deles foi bem-sucedido em suas pretensões presidenciais.

E não se trata apenas de enfrentar a imagem de um Estado de costas para o Brasil que tanto tem prejudicado candidatos paulistas à Presidência. Mas de ir contra empresários, investidores e formadores de opinião da economia nacional que, de maneira inaudita, se manifestaram pela reforma.

O manifesto uniu desde um industrial que cresceu à sombra de um Estado protecionista, como Jorge Gerdau, a um investidor contra muros, como Arminio Fraga; um ex-ministro que militou na economia dos subsídios, como Guido Mantega, até um economista que lhes tem ojeriza como Marcos Mendes.

E, finalmente, ficou difícil para Tarcísio de Freitas se associar à artilharia contrária à reforma, que juntou desde o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, que disse se tratar da implantação do “Soviete Supremo”, até o governador Ronaldo Caiado, cujo Estado tem por tradição atrair empresas no tapetão, e resumiu a reforma como “coisa de venezuelano”.

Ficou complicado para o governador paulista, sobretudo, aliar-se aos argumentos do bolsonarismo. Depois de uma gestão tributária desastrosa, que isentou a gasolina de quem anda de carro, e congelou o salário mínimo de quem pega ônibus, o ex-presidente Jair Bolsonaro resolveu “fechar questão” contra a reforma tributária. Só esqueceu de combinar com lideranças de seu partido na Câmara que fizeram um bem bolado de votos e emendas com o governo.

É possível até imaginar que a inelegibilidade tenha acabado por favorecer a aceitação da reforma tributária pelo governador. O ocaso do bolsonarismo faz com que Tarcísio de Freitas precise se viabilizar como um candidato do sistema e não contra ele.

Até o fim da tarde desta quarta-feira, não havia ainda uma tradução, no texto do substitutivo, de um Palácio dos Bandeirantes desarmado, mas havia um consenso, pra lá de razoável, de que a governança desse conselho federativo não poderia reproduzir o Comsefaz, o conselho que reúne os secretários de Fazenda das unidades da Federação.

Neste conselho, que tende a ser esvaziado se o outro for aprovado, como cada Estado tem um voto, o Nordeste, região que tem o maior número de Estados, faz todos os presidentes. A ideia que mais angariou apoio ao longo da semana foi aquela que atribuiu um voto por região, de maneira a que a soma de Norte e Nordeste se limite a dois terços dos votos e não seja capaz, como no Comsefaz, de fazer a maioria absoluta nas deliberações.

Some-se a isso a disposição de o Rio negociar a inclusão de emenda que assegura regime especial para royalties, com metade da receita para os Estados e municípios produtores. A concentração desses recursos em mãos de alguns poucos está paralisada no Supremo Tribunal Federal e é um dos enroscos que a reforma se dispunha a resolver.

A emenda tem por autoria a mesma deputada filha de ex-presidente da Câmara cassado que fracassou na recente tentativa de blindar crimes financeiros a pretexto de impedir a “discriminação de políticos”.

Com os Estados dispostos a negociar e o PIB engajado pela reforma, restou ao presidente da Câmara reformular sua estratégia. Cercado pela operação policial que flagrou assessores com uma botija do “orçamento secreto”, o deputado Arthur Lira (PP-AL) havia pautado um esforço concentrado para votar as pautas econômicas e renovar seus créditos junto ao Executivo e à própria Casa.

Contava com as resistências setoriais e dos governadores para ajudá-lo a barganhar por mais um naco de emendas e cargos. Foi fechado um acordo com a Secretaria de Relações Institucionais para um lote de emendas na Saúde em troca da aprovação do acordo no Carf e do arcabouço fiscal. Um outro lote, além da concessão de novos cargos, viria na etapa seguinte, da reforma tributária.

Quando Lira viu que a reforma já não angariava a mesma resistência, resolveu inverter a pauta e sugeriu colocá-la em votação, para que fossem destravadas as entregas da segunda parte do acordo, sem que a primeira tenha resultado em Carf ou arcabouço.

Se a virada visava à insistente pressão para reaver seus domínios na Saúde, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu verbalizar a blindagem da ministra Nísia Trindade.

Os embates em torno da negociação só chocam porque se esquece que a última grande reforma tributária aconteceu sob um regime de exceção. A União foi fortalecida e setores empresariais, aliviados. Com a Constituição de 1988, Estados e municípios se beneficiaram com transferências tributárias que reduziram os recursos da União.

É claro que o custo seria alto para fazer, com democracia e sem constituinte, reforma com décadas de atraso. Quando se fala de perda de autonomia leia-se menos chance de distribuir benesses que têm, não apenas blindado setores, mas sustentado carreiras políticas. Se a resistência baixou é porque concluiu-se que afundarão todos - com ou sem benefícios. No substitutivo se saberá onde estão as melhores boias.

Maria Cristina Fernandes, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com/