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Políticos no comando das estatais: um ‘revival’

Políticos no comando das estatais: um ‘revival’

Severino Cavalcanti era um político do baixo clero que, por um desatino da política brasileira, assumiu a Presidência da Câmara dos Deputados em 2005. Segundo os relatos da imprensa na época, o deputado teria pressionado Lula, então em seu primeiro mandato, a lhe dar o direito de nomear um apadrinhado para “aquela diretoria da Petrobras que fura poço e acha petróleo”.

Eduardo Cunha, outro célebre presidente da Câmara, acreditava que indicar um aliado para a diretoria ou a vice-presidência de um banco público, como a Caixa Econômica Federal, lhe daria mais poder e influência do que obter um Ministério.

Diante de tanto interesse no controle das decisões de bancos públicos e estatais, que têm orçamento e flexibilidade de contratação e despesas muito maiores que os órgãos da Administração Direta, não causa surpresa a ampliação do corpo diretivo dessas companhias nos últimos anos. Para se ter uma ideia, em 1994 a diretoria da Caixa era composta por seis integrantes - mesmo número de membros de seu Conselho de Administração. Hoje, além do presidente, são doze vice-presidentes e 25 diretores-executivos; já o conselho tem oito assentos.

Com uma carteira de crédito de mais de R$ 1 trilhão, no caso da Caixa, e um orçamento de investimentos de US$ 78 bilhões para o ciclo 2023-2027, que deve der ampliado em breve pela Petrobras, empresas públicas e de capital misto despertam a cobiça da classe política. Não foi à toa que o maior caso de corrupção de nossa história teve as duas estatais como palco, protagonizando operações que desviaram bilhões para grandes grupos privados, como Odebrecht e JBS.

Como resposta à devassa que havia levado diversos executivos e políticos para a prisão, em meio ao processo de impeachment de Dilma, o então presidente em exercício Michel Temer (ele próprio investigado por ser beneficiado pelo esquema nas estatais) sancionou a Lei nº 13.303/2016, que reforçava as regras de governança corporativa desses entes.

Entre as medidas prudenciais previstas na Lei das Estatais estava a vedação de indicações para o Conselho de Administração e a diretoria dessas empresas de detentores de altos cargos nos Poderes Executivo e titulares de mandatos legislativos, ainda que licenciados, assim como dirigentes de partidos políticos e qualquer pessoa que tenha participado com poder decisório em campanhas eleitorais nos 36 meses anteriores. O objetivo era blindar as estatais da influência política nos seus processos decisórios.

Na última semana, duas decisões mostram como as boas ideias não prosperam no Brasil, diante dos interesses políticos. Primeiro, a Petrobras decidiu fragilizar sua política de governança corporativa, sinalizando uma intenção de voltar a permitir a nomeação de dirigentes partidários e políticos para sua diretoria e Conselho de Administração. Dois dias depois, Lula decidiu demitir a então presidente da Caixa, Rita Serrano, e nomear Carlos Vieira Fernandes, atendendo a pedidos de Arthur Lira e do Centrão.

Como muito bem lembrou Malu Gaspar na sua última coluna n’O Globo, a classe política deve a Ricardo Lewandowski esse presente. Em um dos últimos atos de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal, o ex-ministro concedeu uma liminar suspendendo os dispositivos da Lei nº 13.303/2016 que restringiam a nomeação de políticos para a cúpula de estatais.

Apesar de reconhecer que as exigências da Lei das Estatais representam “inovações altamente moralizadoras”, contribuindo para “conferir mais transparência, controle, previsibilidade e imparcialidade às atividades das empresas estatais” e assegurar que sua administração “seja levada a termo com o mais elevado grau de profissionalismo e eficiência”, o ministro Lewandowski deixou mais uma vez sua lealdade política prevalecer em seus julgados.

Num exercício argumentativo que choca pela fragilidade, o ex-ministro considerou que a vedação temporária de indicação de políticos para posições estratégicas das estatais (válidas durante o exercício de seus cargos e no máximo até 36 meses de sua participação na vida partidária ou em disputas eleitorais) seria uma medida inconstitucional por ferir os direitos à isonomia e à igualdade dos políticos, pois a lei lhes impõe uma condição mais restritiva do que a válida para os demais cidadãos.

Citando parecer da Procuradoria-Geral da República, Lewandowski ainda reiterou que as regras contra o aparelhamento político das estatais seria “uma espécie de punição pela participação partidária, com privação de direito em face de convicção política”.

Na lógica de Lewandowski, em vez de se agir preventivamente limitando a possibilidade de captura política das estatais, o ideal seria confiar no espírito republicano dos dirigentes partidários - como se nossa história não tivesse inúmeros exemplos demonstrando justamente o contrário.

O fortalecimento da governança corporativa das estatais deveria receber o apoio da população brasileira, independentemente das preferências políticas de cada um.

Afinal, da mesma forma que não foi saudável o forte aparelhamento dos postos estratégicos de grandes estatais com militares indicados por Bolsonaro, a perspectiva de que políticos do PT ou do Centrão voltem a ocupar o comando de bancos e empresas públicas pode ser a reprise de uma velha história que, sabemos, não tem final feliz.

Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

Fonte: https://valor.globo.com/