O Projeto de Lei que prevê a remuneração de conteúdo jornalístico e artístico na internet, em tramitação na Câmara dos Deputados, tem gerado muita discussão, mal-entendido, desinformação e um debate equivocadamente direcionado. Em jogo, a atualização, adaptação e modernização da lei às mudanças promovidas no ambiente digital. É um mundo novo, que exige novas regras, novos acordos e também um novo padrão de remuneração. O que vale para criadores de conteúdo jornalístico vale também para profissionais do setor artístico da música e do audiovisual.
Desde que a ida do projeto à votação na Câmara dos Deputados foi adiada — já que a última versão do texto não refletia o entendimento construído ao longo de três meses de negociação entre criadores e empresas nacionais de radiodifusão —, foram publicadas reportagens que descreveram o processo como um impasse. Outras chegaram a classificar as divergências como troca de acusações. Algumas se apressaram em concluir como inconstitucionais algumas ideias postas na mesa. É como se não nos restassem saídas razoáveis — por aqui é pau ou pedra ou o fim do caminho.
Rejeitamos tal premissa. Em nome do bom diálogo e da boa vontade, vale expor alguns pontos de nossa argumentação:
1. Não há razão que justifique a aprovação de uma remuneração efetiva para o jornalismo, mas não para o setor artístico. Isso está longe de ser uma jabuticaba. Afinal, o direito de remuneração é reconhecido em diversos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, como Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha, Eslovênia, Chile, Colômbia e Argentina.
2. O setor artístico concorda com todas as letras: uma nova lei só deve projetar seus efeitos sobre o futuro. Ou seja, o direito de remuneração criado só será devido sobre a oferta de obras ocorrida após a aprovação da lei, nunca antes. Disponibilizações e visualizações passadas continuarão, portanto, regidas pela legislação autoral em vigor até então.
3. No caso de obras audiovisuais produzidas no passado, mas fornecidas e exibidas na internet no futuro, o setor artístico aceita uma regra de transição de três anos para garantir a remuneração aos criadores. É um período razoável para acomodar o planejamento das empresas. Como também é razoável entender que, se uma plataforma fornecer e exibir um filme de dez anos atrás, criadores envolvidos na obra devem ser remunerados. Disponibilizou e alguém deu play? As empresas (não quem usa a internet) pagam aos criadores e artistas o fruto de um novo ciclo de exploração econômica da obra na janela digital.
4. Hoje a remuneração de criadores e artistas, quando existe, está baseada em contratos de cessão de direitos cujos termos não são negociados. As empresas querem, no fundo, que esses contratos, que incluíram uso no ambiente digital de 15 anos atrás, tenham predominância sobre uma nova lei que remodela e moderniza as relações entre empresas que atuam no meio digital de hoje e os criadores. Como mais de 30 entidades do setor artístico da música e do audiovisual afirmaram, o uso de obras antigas no ambiente digital, com novos patrocínios, é praticado pelas empresas que atuam em ambos os mercados, radiodifusão e streaming. Mas os benefícios não são compartilhados com os criadores.
Tudo é novo nesse ambiente, e reconhecer o direito do setor artístico é o primeiro passo para que o meio digital não se precarize. As empresas nacionais não se fragilizarão financeiramente se atenderem a nossos pedidos. Ao contrário, preservar a qualidade do mercado requer também preservar a qualidade das condições de trabalho de seus criadores. Demandar direitos e exigir uma remuneração adequada no ambiente digital não pode ser tabu. Quem sabe o que o artista quer é o próprio artista, e não quem explora suas criações e não aceita repactuação.
O pagamento de direitos autorais é a preservação de nossa cultura.
Paula Lavigne, produtora, empreendedora e empresária, é cofundadora do movimento 342 Artes e dirige a Associação Procure Saber
Fonte: oglobo.com