“Eu pertenço à raça que cantava no suplício; não compreendo as leis; não tenho senso moral; sou um bruto: vós vos enganais”. A descrição de Arthur Rimbaud, um dos poetas malditos franceses, é apropriada para ilustrar o principal causador do calvário dos brasileiros antes e durante a pandemia. O ambiente soturno que impregna “Uma Estação no Inferno” amaldiçoou o Brasil após a eleição do capitão Jair Bolsonaro. Abertas as portas das profundezas, passamos a padecer no submundo da escuridão, pecados, degeneração, crimes, moléstias, vilanias, desgraças e mortes aos milhares. A ascensão dos brutos ao poder é consequência direta da satanização da política.
Jair Bolsonaro evangeliza diabolicamente nas trevas brasileiras. É aliado de salteadores, protetor de malfeitores, preceptor de infames, sabotador da ciência, idólatra de ditadores, semeador do caos, professante dos golpes traiçoeiros, adversário rugoso das democracias, dublador dos ogros, sacerdote da morte, patrono da mentira, apologista da estupidez, ocioso, rudimentar e tosco. Segue o evangelho das calamidades, flagelos e obscurantismo que embrenhou o País no mais escuro dos abismos. Nessa vertigem moral e declínio civilizatório nazistas, fascistas, estupradores e assassinos encontram o ambiente confortável para perpetrar suas atrocidades.
No inferno de Dante Alighieri são nove os círculos reservados a castigar todos os pecadores. “A Divina Comédia” sedimentou na humanidade a noção de que o mundo inferior, escaldante pela incessante crepitação das labaredas, é o local da condenação eterna e irrecorrível das almas pecaminosas, apartando o mal do bem. Sem esperanças agonizam por lá os pagãos, hereges, fraudadores, corruptos, adeptos da luxúria, avarentos, gulosos, gananciosos, incitadores da discórdia, aduladores, violentos, traidores, hipócritas e apóstolos da ira. Todas as misérias humanas estão ali amontoadas.
No pandemônio bolsonarista várias criaturas mefistofélicas têm assentos cativos em um ou mais círculos. Os terraplanistas são os hereges. Fraudadores, corruptos, gananciosos e ladrões são muitos. Estão na legião política e na intimidade do poder. Entre os ladravazes sentenciados estão Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto. O vice-líder Francisco Rodrigues queimaria no oitavo círculo junto com o dinheiro escondido em suas fendas. Dois de seus filhos do capitão são investigados por crime de corrupção. O partido pelo qual foi eleito é suspeito de fraudes, bem como 2 de seus ministros. Ele diz ter os melhores ministros da história, mas a realidade é outra. Não há retórica tão demoníaca que sobreviva no confronto com os fatos.
O Ministério Público acaba de denunciar as diabruras de Flávio Bolsonaro, da esposa, de Fabrício Queiroz, sua mulher e filhas, além de outros devotos por possessão ilegal de dinheiro público. Foram enquadrados em peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A defesa qualificou a denúncia como “crônica macabra”. O MP do Rio de Janeiro fez uma investigação nas profundezas do ex-deputado e constatou dinheiro esquentado pelo atual senador depois de rastrear saques em espécie, transferências, compra de imóveis abaixo do preço de mercado, aquisição de empresas e uma movimentação financeira milionária por parte do ex-deputado e do Queiroz. O anjo exterminador, Fred Wassef, não evitou a descida.
Nos caldeirões ardentes da avareza, ganância e gula acumula-se um extenso patrimônio imobiliário familiar adquirido com dinheiro vivo, longe da terra dos mortos. Não se pode nem mesmo mencionar os R$ 89 mil depositados por um miliciano na conta da primeira-dama, ainda sem explicação alguma. O risco é de “porrada”. Os aduladores transformaram a Esplanada em rio fervente da bajulação. O mestre da ira, da discórdia, da violência, da traição é o próprio “senhor das moscas”. Abandonou muitos dos seus seguidores pelo meio do caminho. A insipiência, aliada ao negacionismo, deixou um rastro de sofrimento e morte. O método é o ódio, a meta a morte. Já defendeu matar 30 mil brasileiros, quer banalizar as armas de fogo, fuzilar a “petralhada”, escarnece de vidas, prescreve remédios inúteis, almeja privatizar o SUS e agora recusa a vacina chinesa. Está do outro lado da vida.
Nas redes sociais alguns adversários o classificam como “capetão”, recendendo enxofre e exalando o cheiro da morte. É o Midas do infortúnio. Ao contrário das lendas, superstições e crenças, o espírito demoníaco é real e catequisou uma diminuta legião de seguidores em um projeto maligno para esconjurar o Estado de Direito, a democracia e a vida. O tridente autoritário é recorrente e conta o auxílio de vários diabinhos soçobrados que, coléricos como o chefe, atormentam a vida dos brasileiros. Enxergam chifres por todos os lados, mas não olham o próprio rabo. Alguns já foram exorcizados, profanadores da institucionalidade, como Abraham Weintraub, valentão boquirroto que se homiziou no paraíso remuneratório do Banco Mundial.
No purgatório tupiniquim repastam outros anjos caídos que se nutrem de fofocas, maledicências e intrigas bestiais. Um deles é Ricardo Salles, o tinhoso do Meio Ambiente que arde em chamas, matou fauna, flora e nos empurrou para o isolamento mundial após o desmonte dos organismos de proteção ambiental. Estimulado por Belzebu, o príncipe dos diabos, o dissimulado passador de boiadas gosta de blasfemar, de futricar contra ministros e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. De uma garfada só apelidou o ministro Luiz Eduardo Ramos de “Maria fofoca”, “banana de pijama” e o presidente da Câmara de “Nhonhô. Nem parece que o Brasil está pegando fogo.
A fogueira de vaidades, além das fagulhas grosseiras, revela um governo completamente perdido e sem projetos. A fervura atual antecipa a temperatura da fornalha no futuro próximo. O que se avizinha, da perspectiva política, econômica e social é muito grave. O déficit público está na estratosfera, a economia estagnada, o desemprego em percentuais superlativos punindo os mais jovens, o real desvalorizado e a inflação mostrando suas garras. No cenário mundial as línguas de fogo da Amazônia e do Pantanal agravaram nossa condição de pária, de nação irrelevante. As queimadas também foram foco da efervescente campanha eleitoral dos EUA, túmulo arcaico da democracia onde nem sempre prevalece a vontade da maioria.
O capitão fez da política externa um altar de servidão cega ao bezerro de ouro, Donald Trump e seu ideário insano de extrema direita, antidemocrático e anticientífico. Após a ruína política do líder do Grande Satã, como os iranianos se referem aos EUA, os devotos de Trump, o demônio vermelho, precisam acender velas para excomungar as blasfêmias contra a democracia. As eleições recentes na América do Sul baniram verdadeiras bestas do apocalipse da região. O resultado dos EUA, ainda sujeito a muitas chicanas e outras demências, sedimenta a tendência de ressurreição dos democratas e o fim dos pactos de anticristos populistas, golpistas, despreparados e irresponsáveis.
Weiller Diniz, jornalista
Fonte: https://osdivergentes.com.br