Humberto Barreto morreu semana passada aos 90 anos. Foi secretário de imprensa no governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1978), general de quatro estrelas, de origem alemã, calado, objetivo e determinado a recolocar o Brasil no caminho democrático. Os golpistas de hoje, que vivem de provocar crises artificiais, deveriam rever as dificuldades dos anos setenta no Brasil, quando os militares se dividiram em dois grupos principais: uns queriam o restabelecimento das liberdades individuais e princípios democráticos, outros pretendiam simplesmente implantar uma ditadura.
O cearense de fala simples, advogado, não era jornalista, nem passava perto de qualquer redação. Contudo, foi um homem cordial, que se tornou fonte confiável dos repórteres que cobriam o Palácio do Planalto. Era o porta-voz. Na época, tudo era diferente e mais difícil do que ocorre hoje. O presidente não falava com jornalistas, mas tinha meios para fazer chegar aos jornais o principal objetivo daquele governo, que era restabelecer as liberdades individuais e reimplantar o regime democrático no país.
Todos os protagonistas correram riscos imensos. Petronio Portella me disse que o camburão da polícia certamente passaria na porta dele, se seus esforços para restabelecer o regime democrático não fossem bem-sucedidos. O presidente Geisel tinha a seu lado o general Golbery do Couto e Silva que foi o arquiteto da distensão lenta e gradual. Para manter o controle do país, a presidência teve que se impor à direita e à esquerda. Retirou lentamente a censura, liberou os jornais e deixou que o MDB, com nomes do porte de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Thales Ramalho, falasse à vontade. Mas cassou mandato de deputado. E, paradoxalmente, revogou o Ato Institucional nº 5.
Os militares da extrema direita se articulavam para impedir que o processo de abertura política prosperasse. A controvérsia ficou mais aguçada na medida em que se aproximava a sucessão do próprio Geisel. O candidato dos duros era o ministro do Exército, Sylvio Frota. Ele foi exonerado em outubro de 1977. Demitido pela manhã, na tarde do mesmo dia o substituto já estava empossado. Humberto Barreto tratou de colocar os fatos claramente para os jornalistas. Foi honesto e prestativo. Figura importante na redemocratização.
Foi neste período que escrevi o livro “Segunda Guerra: sucessão de Geisel”, editora Brasiliense, com auxílio do Merval Pereira, de O Globo, agora presidente da Academia Brasileira de Letras. Na época convivi com Humberto Barreto e os principais auxiliares do presidente Geisel. Assisti a luta para restabelecer a democracia no Brasil e retirar os militares da política. Naquele momento, o Exército havia se transformado no maior partido político do país, o que subvertia os conceitos de ordem e disciplina essenciais para organização da tropa. O presidente João Figueiredo, general escolhido a dedo por Geisel, completou aos trancos e barrancos o processo de abertura.
Quem hoje trabalha pela implantação das trevas no país não tem a menor ideia do que está falando e propondo. Este deputado Daniel Silveira, que demonstra não ter nenhum conhecimento da história política do Brasil, propõe, na sua tresloucada pregação, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e o restabelecimento dos conceitos do Ato Institucional número 5. Isso significa fechar o Congresso, cassar mandatos dos parlamentares, inclusive o dele, acabar com as liberdades públicas, impor a censura, suspender o habeas corpus e abrir o caminho para o estado policial. Ele não sabe o que está dizendo. No mínimo, é um leviano.
A história ensina que os radicais costumam ser engolidos pelos movimentos que provocam. Danton e Robespierre, expoentes da revolução francesa, terminaram seus dias na guilhotina.
Isso acontece no Brasil de hoje porque Bolsonaro foi legitimado pelo voto popular. Ou seja, ele não é o capitão, mas o comandante em chefe das Forças Armadas brasileiras eleito. Sem a legitimação do voto popular, ele retorna à posição de capitão, o que não lhe outorga o direito de tomar o poder resultado de algum tipo de golpe.
A história das revoluções costuma ser assim: o radical provoca a onda, mas por ela acaba sendo engolido. Os extremistas de hoje no Brasil estão cavando a própria cova. Se alcançarem seus objetivos, poderão jogar o país numa crise profunda com potencial para gerar até uma guerra civil. E deverão ser as primeiras vítimas. Os riscos são imensos. O futuro só se realizará dentro do jogo democrático.
André Gustavo Stumpf, jornalista