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Os primeiros 100 mil mortos, ninguém esquece!

“As estatísticas não Sangram.”  Arthur Koestler ( 1905-1983)

“Morrer bem é a suprema glória.” Ésquilo (526-456 a.C)

Na história da humanidade uma “gripezinha” nunca foi tão letal. Essa está superando a gripe espanhola, do início do século passado, em mais de 3 vezes. É um genocídio que supera, em muito, as baixas que ocorreram nos outros genocídios que tivemos na nossa história. Em CANUDOS (estimativa de 25 mil mortos) e no CONTESTADO (estimativa de 10 mil mortos).Também supera as baixas que tivemos nas guerras do Paraguai (estimativa de 60 mil mortos)e na 2ª guerra mundial (471 militares mortos em combate).

Mas no Brasil, morrer não é mal de peso. João Cabral de Melo Neto já dizia no seu Morte e Vida Severina: “...Morremos de morte igual / mesma morte Severina /que é a morte que se morre / de velhice antes dos trinta / de emboscada antes dos vinte / de fome um pouco por dia / (de fraqueza e de doença /é que a morte Severina / ataca em qualquer idade / e até gente não nascida).”

O problema não é a morte em si, pois essa fatalidade, mais dia menos dia, vai nos atingir a todos. “... É a morte, esse danado número um, que matou Cristo e que matou Tibério” como nos lembra Augusto dos Anjos no seu soneto Último Credo. A grande tragédia dessa “gripezinha” foi a de não possibilitar “morrer bem”**, com a dignidade que os rituais de despedidas, que são tão importantes na fase final da vida, não puderam se realizar. Não teve “vela, nem fita amarela”, apenas o choro seco dos familiares e amigos das 100 mil mortes. As circunstâncias da pandemia não permitiram que os familiares e amigos pudessem se despedir, com gratidão e carinho, de seus entes-queridos. Uma tristeza indizível!!

Por outro lado, o que nos choca é a velocidade em que os óbitos estão ocorrendo atingindo essa marca em 6 meses apenas. Também o comportamento das pessoas, surpreende. Parece que a “ficha ainda não caiu” para a gravidade da pandemia. A morte virou rotina e nem a cobertura diária do Jornal Nacional parece comover as pessoas. Tornou-se um assunto banal. Resta esperar e, torcer, que dos 3 milhões de infectados, um percentual de óbitos não atinja 2 dígitos e que a vacina esteja disponível ainda esse ano.

Esse 2020, será um ano atípico nas nossas vidas. Se o ano de 1968, para Zuenir Ventura, foi o “Ano que não terminou” por conta do AI-5, o que dizer desse 2020? Eu digo que será o ano que sobrevivemos a duas hecatombes: dos VERMES e a do VÍRUS!! Os vermes estão no poder, junto com os militares e outros cúmplices. Estão com as mãos sujas de sangue e são mais letais. Não nos tiram apenas a vida, mas matam a esperança e a dignidade. O vírus, por sua vez, é passageiro. Em breve será debelado, mas a crise vai continuar. Estejamos com o espírito preparado para esse enfrentamento.

Por fim só me resta chorar os meus mortos, que perdi para o COVID – 19 e outras morbidades. Nem pude me despedir dos amigos. Foram  8 da extensão rural / EMATER (Jozelino, Maria Santos, Rizoleta, seu Dirceu, Lidiane, Evandro, Mário Jorge, e Bernard) e 7 do PT (Piola, Balãozinho, Lhé, Dirceu, Sid Farney, Arimatéia (PC do B) e Junior) À eles o meu tributo de saudades com os versos de Mário Benedetti: “No fim a gente parte.../Com amigos de pão, de madeira, de terra/ A gente parte e é outro.../Disposto a não esquecer, não dizer / Tudo isso e ainda / Com o mais árduo adeus /O coração mais novo.”

Que descansem em paz.

PS – **”Morrer Bem” é um livro organizado por Isa Fonnegra de Jaramillo. Foi uma das minhas releituras nessa pandemia. É um livro que nos ensina “como enfrentar o fim de tudo, ou apenas o início.” “Morrer Bem dá os instrumentos necessários para que as pessoas mantenham a dignidade e a paz interior no final desta aventura.”. Recomendo.


Marcos Inácio Fernandes, é professor aposentado, Secretário de Formação do PT/DM de Rio Branco