Os dois impostos sobre valor agregado vão se transformar em um só. É o que se ouve no Congresso e no governo. Acham que foi necessário fazer dois pela desconfiança federativa, que poderá ser superada com o tempo. O esforço na hora da regulamentação será para fazer tudo o mais simples possível. A ideia que se tem na Fazenda é que a CBS e o IBS tenham um sistema de cobrança só. Serão dois impostos com a mesma legislação, as mesmas regras, o mesmo regulamento. A tramitação da Reforma Tributária ainda não acabou, falta a Câmara, mas já se pensa na implementação.
A proposta tem aberrações. Há um setor que terá redução de alíquota que está definido como “segurança nacional, soberania e cibersegurança”. Como dizer o que é isso? Os técnicos explicam que cada setor foi nomeado genericamente e, por isso, as leis complementares serão tão importantes para definir.
Só a lei dirá exatamente a dimensão de cada concessão, os limites de cada regime específico, como o de educação, por exemplo, me disse um técnico. O que ficará em educação? Eles dão como certo que seja a educação do básico ao superior. “Mas, e os cursos avulsos como inglês ou jiu-jitsu também terão redução da alíquota padrão?”, perguntou um técnico.
No caso dos profissionais liberais, que terão 30% de desconto, já se sabe que os médicos e dentistas entrarão no item saúde, ou seja, terão um desconto maior, de 60%. Mas o absurdo é até consultoria ter vantagem tributária. É que consultor está no grupo dos profissionais liberais.
As concessões têm dois defeitos opostos. Ou são genéricas demais e agora precisam ser bem delimitadas, ou são específicas demais. Há um item com isenção que é “suco de fruta natural sem adição de açúcar e conservantes” . Certamente é o único país que terá uma coisa dessas na Constituição.
A reforma sem dúvida é um avanço, representará uma melhora no ambiente de negócios e simplificação do pagamento dos tributos, mas inegavelmente essas exceções criaram vários problemas: têm impacto na tarifa padrão, criam complexidades e distribuem privilégios.
A comparação numérica que se faz na Fazenda é que se a complexidade é 100 no modelo atual, a reforma como foi concebida a reduziria para 10. Mas com as exceções foi para 30. O resultado é muito melhor do que o atual, mas de fato ela piorou ao tramitar. Isso é entendido como o preço a pagar numa democracia em que tudo, felizmente, tem que ser negociado, e não é uma imposição, como foi a reforma implantada no regime militar.
A negociação continuará intensa, tanto na etapa final de tramitação e promulgação, quanto na formulação das leis complementares. O prazo é de 180 dias para que se encontre o melhor desenho para o novo regime tributário. O tempo das pressões continuará exatamente porque agora é que se estabelecerá o limite de cada concessão.
A ideia do secretário Bernardo Appy, segundo adiantou o “Valor”, é formar um grupo de trabalho do governo federal, estados e municípios, assim que a reforma for promulgada, para que os três níveis administrativos trabalhem juntos.
Depois disso, virão os anos da implementação. Em 2024 e 2025, será montado todo o sistema de cobrança dos novos impostos. Nesse momento será possível construir o caminho para que seja um só imposto sobre valor agregado. Em 2026, tudo tem que estar pronto em relação aos impostos federais para começar a fazer uma espécie de ensaio.
O Senado melhorou essa etapa ao estabelecer que em 2026 nem precisa ser recolhido o imposto. Antes se previa o recolhimento de um valor mínimo apenas para testar o sistema. Pela nova redação, basta as empresas cumprirem a obrigação, calcularem quanto teria sido o tributo, mas não precisarão recolher nada. Esse momento será fundamental porque se houver alguma coisa disfuncional será a hora de corrigir.
Em 2027, começa mesmo a cobrança da Contribuição sobre Bens e Serviços e serão extintos o IPI, PIS e Cofins. Isso já vai permitir uma simplificação importante para as empresas. De 2029 a 2033, será a transição do ICMS e do ISS para o Imposto sobre Bens e Serviços, dos estados e municípios.
O país não saberá de imediato a alíquota do novo imposto, porque dependerá de todo esse processo de legislação complementar. Está dito que a alíquota será a “que mantém a carga tributária”. Só isso que se sabe agora. Portanto, os próximos 180 dias, após a promulgação, serão decisivos.
Miriam Leitão, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/