A obsolescência programada, estratégia em que fabricantes limitam deliberadamente a vida útil de produtos para impulsionar o consumo, é uma questão complexa e multifacetada, essa prática tem suas raízes no início do século XX, quando as empresas perceberam que podiam aumentar suas vendas limitando a vida útil dos seus produtos, analisando as teorias estratégias que impulsionaram esse fenômeno, é possível entender como a busca incessante pelo lucro moldou esse modelo econômico perverso. Vários países e entidades internacionais, buscam um aparato jurídico para enfrentamento da obsolescência programada evidenciando a complexidade do problema, enquanto alguns Estados estão na vanguarda dessa discussão, adotando medidas rigorosas, como a França que criou a lei de transição energética, outros países ainda carecem de regulamentações específicas, a análise de tratados internacionais e as propostas de padronização legal são cruciais para o enfrentamento dessa questão, compreender como diferentes nações buscaram soluções e unificar essas abordagens é fundamental para resolução definitiva desse problema.
Investigações revelarem que a obsolescência programada impulsiona artificialmente um ciclo econômico de produção e contribui para o consumo excessivo, estudos de casos indicam que, em média, os consumidores substituem smartphones, laptops e outros dispositivos a cada dois anos, quando, na verdade, se a vida útil do produto fosse maior, seja pela qualidade e durabilidade ou pela atualização regular do seu software, os consumidores não comprariam novos equipamentos, mantendo os que possuem em média quatro anos, gerando um impacto significativo nos lucros, por isso a indução artificial para diminuir a vida útil dos produtos.
Analisar os custos diretos e indiretos para consumidores e governos é essencial. Dados do Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC, apontam que, em países como o Brasil, os consumidores gastam bilhões de reais anualmente substituindo produtos eletrônicos que se tornaram obsoletos, ao mesmo tempo, os custos associados à gestão de resíduos eletrônicos sobrecarregam os cofres públicos e pressionam enormemente a natureza. O aumento exponencial de resíduos eletrônicos é um dos efeitos mais evidentes da obsolescência programada, estatísticas da União Europeia revelam que, em 2023, mais de 12 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos foram geradas globalmente, uma análise aprofundada desses números destaca a urgência de abordagens sustentáveis e de uma força tarefa mundial contra essa forma de rapinagem da indústria de eletroeletrônicos.
Além dos resíduos, a produção e descarte rápidos de produtos eletrônicos contribuem para as emissões de carbono, estudos científicos indicam que a pegada ambiental associada à obsolescência programada é substancial, exigindo estratégias mais eficazes para reduzir os impactos climáticos, a imposição de um padrão de consumo desenfreado tem implicações diretas na qualidade de vida dos consumidores, a análise de pesquisas psicológicas e sociológicas destacam como a cultura do consumismo, alimentada pela indústria eletrônica, impacta negativamente a psique das pessoas e afeta também o bem-estar financeiro dos indivíduos. A rápida obsolescência dos dispositivos aprofunda as desigualdades sociais, estudos socioeconômicos indicam que grupos de baixa renda enfrentam maiores dificuldades para acompanhar as demandas tecnológicas, além do crescente endividamento, a luta por estar sempre atrás da tecnologia funcional do momento será indelevelmente perdida pelos hipossuficientes, exacerbando ao final as disparidades digitais entre as classes sociais, gerando mais um abismo entre os que tem acesso ao mundo digital e quem ficará preterido.
Explorar alternativas sustentáveis é fundamental para mitigar os impactos da obsolescência programada, a promoção de produtos modulares e a adoção de princípios de economia circular oferecem caminhos viáveis, estudos de casos, como a implementação dessas práticas em países europeus, fornecem avanços enormes. Produtos modulares são dispositivos ou sistemas compostos por módulos independentes, interconectados de maneira padronizada, que podem ser facilmente substituídos, atualizados ou reparados de forma individual, essa abordagem contrasta com o design tradicional de produtos, nos quais os componentes são integrados de maneira mais permanente e complexa.
A ideia por trás dos produtos modulares é promover a sustentabilidade, a eficiência e a longevidade, proporcionando aos consumidores a capacidade de adaptar, personalizar e manter seus dispositivos ao longo do tempo, cada módulo desempenha uma função específica e pode ser retirado e substituído independentemente dos outros, o que facilita o reparo e a atualização. Várias categorias de produtos podem seguir o conceito modular, como smartphones, laptops, eletrodomésticos, carros e até mesmo edificações. Alguns exemplos práticos incluem:
1. Smartphones Modulares: Permitem que os usuários troquem módulos, como a câmera, bateria ou processador, sem a necessidade de substituir o dispositivo inteiro;
2. Laptops Modulares: Possibilitam a substituição ou atualização de componentes como memória RAM, armazenamento, bateria e tela, oferecendo maior flexibilidade e prolongando a vida útil do computador;
3. Eletrodomésticos Modulares: Geladeiras, máquinas de lavar, micro-ondas, máquinas de secar pratos e roupas, podem ser projetados com módulos independentes para facilitar a manutenção e reparo, durando por muito tempo e se modelando a novas necessidades;
4. Carros Modulares: Algumas empresas automotivas exploram o conceito de carros modulares, nos quais os componentes principais, como motor, bateria e sistema de entretenimento, teriam módulos independentes e substituíveis, elevando a qualidade e vida útil do veículo.
Ao permitir a substituição de partes individuais, os produtos modulares reduzem o desperdício eletrônico e contribuem para uma abordagem mais sustentável, a capacidade de atualizar ou substituir apenas partes específicas reduz a necessidade de produzir novos dispositivos completos, economizando recursos naturais preciosos, com a possibilidade de trocar módulos defeituosos ou obsoletos, a manutenção e o reparo tornam-se mais acessíveis, simples e econômicos, os usuários podem adaptar os produtos às suas necessidades, escolhendo módulos que atendam às suas preferências ou exigências específicas. Embora os produtos modulares ofereçam benefícios significativos, a implementação generalizada enfrenta desafios, principalmente pela visão predatória do mercado que não pretende prescindir fácil dos lucros imediatos apesar de todo impacto ecológico e econômico que criam, no entanto, o crescente interesse na sustentabilidade e na economia circular está impulsionando a exploração e adoção dessa abordagem inovadora em várias indústrias.
A análise de políticas de incentivo e regulamentações é crucial para a promoção de práticas sustentáveis, examinar como diferentes países abordam questões como a rotulagem de durabilidade e a facilitação da reparabilidade destaca estratégias eficazes e lições aprendidas que deve ser socializada como um verdadeiro manual de boas práticas para indústria eletroeletrônica. Como vimos, a rápida sucessão de produtos descartáveis alimenta não apenas um ciclo vicioso de consumo, mas também uma crescente montanha de resíduos eletrônicos, constituindo um crime ambiental de larga escala, a exploração da mão de obra e a desigualdade socioeconômica, muitas vezes associadas à produção em massa, merecem uma análise mais profunda, evidenciando as falhas éticas e sociais inerentes a esse modelo.
Ao mesmo tempo, que a obsolescência programada, cria uma cultura de consumo descontrolado, pode ser considerada um atentado contra a qualidade de vida dos consumidores, o ciclo interminável de compra e descarte não apenas sobrecarrega os orçamentos familiares, mas também gera um impacto psicológico significativo principalmente nos mais jovens, contribuindo para níveis crescentes de ansiedade e estresse, é crucial, porém desafiador, eliminar esse modelo de produção/consumo da nossa sociedade. O capitalismo, baseado na busca incessante pelo lucro, encoraja práticas que priorizam ganhos imediatos em detrimento de considerações ambientais e sociais a longo prazo, esta crítica é uma chamada à reflexão sobre como podemos superar esse modelo em prol da nossa sociedade e do ambientalismo.
A transição para um modelo mais sustentável requer não apenas mudanças nas práticas das empresas, mas também uma reavaliação coletiva de valores e prioridades de todos e de cada um de nós, incentivar a inovação, regulamentar de maneira mais eficaz e promover uma conscientização global sobre as consequências nefastas da obsolescência programada são passos iniciais, porém cruciais. O desafio é transformar essa crítica em ações concretas que possam remodelar a maneira como produzimos, consumimos e interagimos com a tecnologia, somente mediante uma abordagem multidimensional e colaborativa podemos aspirar a um futuro em que a sustentabilidade prevaleça sobre a busca desenfreada pelo lucro, mitigando os danos causados pela programação artificial do que será o lixo sem que necessário precisasse ser, e promovendo um equilíbrio mais justo entre sociedade, economia e meio ambiente.
Cláudio Carraly, advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco