Guiado pelas mãos do ex-presidente Michel Temer, o presidente Jair Bolsonaro fez, na quinta-feira passada, seu mais significativo recuo.
A Declaração à Nação, que o presidente divulgou apenas dois dias depois de ter açulado seus seguidores contra o Supremo Tribunal Federal (STF), diz exatamente o oposto do que ele vinha declarando até então. “Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, diz a declaração daquele que, no 7 de Setembro, havia chamado de “canalha” o ministro Alexandre de Moraes, do STF. “Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”, diz a declaração daquele que promoveu uma manifestação multitudinária contra o Supremo e anunciou, aos gritos, que não cumpriria mais nenhuma ordem judicial assinada por Moraes.
Como se sabe, a palavra de Bolsonaro não vale nada. No início de agosto, diante de novos ataques de Bolsonaro contra ministros do Supremo, o presidente da Corte, Luiz Fux, cancelou uma reunião prevista entre os chefes dos Três Poderes. “Diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual”, disse Luiz Fux na ocasião.
Não existe, portanto, expectativa de que Jair Bolsonaro, cuja carreira é marcada pela truculência, passe de repente a agir de forma civilizada. Na prática, sua Declaração à Nação se presta a tentar fazer os brasileiros esquecerem que ele passou seu mandato se dedicando a criar uma crise atrás da outra, inflamando o País e cometendo crimes de responsabilidade em profusão, tudo isso para esconder sua profunda incompetência.
Na mais recente turbulência inventada por Bolsonaro, o presidente, exercendo sua vocação de líder sindical, estimulou os caminhoneiros a bagunçar o País e, assim, intimidar o Supremo e gerar pretexto para soluções de força. “Essa greve vai cair diretamente no seu colo”, alertou Michel Temer, com conhecimento de causa: foi em seu governo que uma grande greve de caminhoneiros – apoiada pelo então deputado Bolsonaro – prejudicou imensamente os brasileiros e custou muito caro à economia. Ou seja, Bolsonaro estimulou forças destrutivas que ameaçavam sair de seu controle e que certamente lhe causariam prejuízo eleitoral, conforme o sábio conselho de Temer.
Bolsonaro pode não cumprir nada do que disse na declaração de 9 de setembro, mas o fato é que reconheceu que suas ações extrapolam os limites institucionais – o que poderia lhe custar o cargo. Antes, pediu o impeachment de Alexandre de Moraes e exigiu que o presidente do Supremo “enquadrasse” o desafeto; agora, afirmando o que deveria ser óbvio, declarou que suas “naturais divergências” com Alexandre de Moraes “devem ser resolvidas por medidas judiciais”, e não no grito.
Dado o imenso contraste com o discurso golpista de Bolsonaro até então, a Declaração à Nação – que, como lembrou Michel Temer, é “um compromisso formal, escrito e assinado com a Nação, um compromisso de moderação” – gerou grande perplexidade nas bases bolsonaristas. O gesto incluiu até uma civilizada conversa telefônica de Bolsonaro com Alexandre de Moraes.
Num Estado Democrático de Direito, o exercício do poder exige necessariamente diálogo, respeito ao outro, reconhecimento dos erros. Por sua vez, a aposta no conflito gera impasse e paralisia. Resultado do exercício da política e expressão da necessidade de harmonia institucional, a Declaração à Nação é, assim, a perfeita antítese do bolsonarismo. Não se deve estranhar a frustração dos bolsonaristas com o texto.
Mas o gesto de Bolsonaro, em si, é insuficiente. Não basta parar as agressões contra juízes e as difamações contra as eleições. Há um País a ser governado. Existem problemas sérios a serem enfrentados. Talvez aqui esteja o aspecto central de desconfiança em relação a Jair Bolsonaro. O fim da produção diária de conflitos, se for para valer, é certamente bem-vindo, mas Bolsonaro não foi eleito apenas para ser pacífico, e sim para governar – o que não fez até agora.
Fonte: https://www.estadao.com.br