Desde o primeiro dos mil dias de seu desgoverno, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em salvar a própria pele e a do seu clã e agregados cada vez mais expostos em múltiplos escândalos com dinheiro público. Assim, cada uma de suas principais promessas de campanha como o combate à corrupção, a ruptura com o fisiologismo da “velha política”, e uma política econômica vendida como liberal, foram virando pó ao longo desse período.
O que sobrou pela ótica dos que influenciam seus tortuosos pensamentos foi uma delirante crença em um golpismo travestido de revolucionário. Trocou ou foi trocado por referências em sua largada no governo como os ex-ministros Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta e os generais Santos Cruz, Fernando Azevedo, e Edson Pujol. Viraram entraves à suposição de poderia se livrar e aos seus das punições previstas no Código Penal para crimes contra a administração pública. Optou por compartilhar o poder com os aproveitadores de todos os naipes e os profissionais desse ofício do Centrão. Seu clã e agregados se sentiram em casa.
Virou uma farra. Passaram a pipocar falcatruas por todas as partes. As mais vistosas — e escandalosas — são os astronômicos golpes no Ministério da Saúde, com o agravante de ocorrerem na maior tragédia sanitária da nossa história. A cada pena descoberta pela CPI da Pandemia no Senado descobre-se um galinheiro de corrupção. Alguns foram criados na gestão Bolsonaro, outros herdados e assumidos de administrações passadas — mesma origem do Mensalão e da Lava Jato.
Com a popularidade de Bolsonaro se esvaindo, cada vez com mais apetite seus parceiros no governo tentam faturar em nacos do poder que ajudem suas carreiras políticas e/ou aumentem seu patrimônio pessoal. E o clã Bolsonaro vai nessa mesma balada. A ilusão que vem de outros tempos, como o delírio de Romero Jucá de dominar tudo, inclusive o STF, segue de vento em popa. Nos bastidores da chamada corte brasiliense, em que pontifica uma matilha sedenta de dinheiro público, é de novo tempo de festa.
Mas na gangorra de sempre, o escracho de hoje pode ser punido amanhã. Bolsonaro realizou o sonho de todos os corruptos das últimas décadas que é por sob suas asas e de sua trupe os órgãos estatais de controle do dinheiro público — o Ministério Público, a Polícia Federal, o Coaf e por aí afora. Fez assim uma espécie de aliança tácita com as mais tradicionais forças políticas, inclusive PSDB e PT, para que todos escapassem dos escândalos em que foram envolvidos.
Todos agora se proclamam inocentes de denúncias em julgamentos anulados em série, a partir da porteira aberta para o ex-presidente Lula, sem que as provas fossem apreciadas. Os políticos e os poderosos no Brasil sempre tiveram bons caminhos para a impunidade. O Mensalão e, principalmente, a Lava Jato foram exceções históricas. Balançaram o establishment político e econômico. O troco, quem diria, veio pela mão de Bolsonaro em suas barganhas para livrar seu clã. Jucá virou vidente.
Ao mesmo tempo em que abria a porteira para a corrupção, Bolsonaro iludiu seus seguidores com a cascata de que estava preparando um golpe militar para acabar com a roubalheira em Brasília. Até tentou por essa carta na mesa no 7 de setembro — avançou o sinal, ficou com medo de ser destituído, e pediu arrego, na tal cartinha inspirada por Michel Temer. O que menos importa é como estão se remoendo os desiludidos com o suposto golpe bolsonarista.
Mais relevante de que esse recuo de Bolsonaro seja ou não para valer é o que o motivou. Não há menor dúvida que, no seu desespero pessoal e político, se pudesse Bolsonaro daria o tal golpe. Sua aposta nas manifestações em Brasília e em São Paulo não deram o resultado que esperava. Não houve motim em nenhum quartel das Forças Armadas e nem das policias militares em todo o país. Ele sentiu o tranco. O que ainda tinha de apoio nas elites política e econômica ameaçou pular fora. Os militares simplesmente ignoraram os apelos dos fanáticos bolsonaristas.
Ninguém se iluda que a cartinha de Michel Temer entrou com dificuldade goela abaixo de Bolsonaro. Por mais que insinue que houve um acordo secreto com o ministro Alexandre de Moraes, isso soa falso até para as emas do Palácio da Alvorada. A disfarçada rendição prosseguiu na entrevista à revista Veja, em que jura ser zero a chance de melar as eleições, não só pelo conteúdo, mas também pelo fato de depois de tanta turbulência ele tentar se explicar em um veículo da tão criticada mídia tradicional.
Nessa confusa espécie de mea-culpa, nessa segunda-feira (27), na solenidade no Palácio do Planalto para comemorar os 1000 dias de seu governo, Bolsonaro ensaiou outro pedido desculpa para quem usou e abusou em seu blefe de golpe militar: “As Forças Armadas estão aqui. Elas estão ao meu comando, sim, ao meu comando. Se eu der uma ordem absurda, elas vão cumprir? Não. Nem a mim e nem a governo nenhum”.
A intensa pregação golpista e as recentes juras de amor à democracia, além de blefes, soam como uma tentativa de Bolsonaro de conseguir uma saída para si e seu clã dos imbróglios que se meteram na esfera cível e criminal. É mais desespero que valentia.
A conferir.
Andrei Meireles, jornalista
Fonte: https://osdivergentes.com.br