O principal adversário que o presidente Jair Bolsonaro terá de suplantar para vencer as eleições presidenciais é ele próprio. A pesquisa do Ipec divulgada ontem, assim como outras que mostram os desdobramentos das intenções de voto por Estado, indicam amplo favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva. Se Bolsonaro chegou à Presidência na onda de rejeição ao PT, Lula agora nada bem na maré da rejeição a Bolsonaro. Em Estados relevantes onde o atual presidente teve confortável vantagem em 2018, como São Paulo, ele está agora atrás de Lula por uma boa margem.
Campanhas sempre reservam muitas surpresas e o cenário pode até mudar radicalmente, mas a tendência atual é desfavorável ao presidente. Nenhum ocupante do Palácio do Planalto esteve em situação tão ruim no início da campanha eleitoral como Bolsonaro está agora.
Diante da situação desesperadora, o presidente e seus aliados do Centrão abriram os cofres públicos para tentar reverter o quadro, no maior pacote de estímulos à atividade econômica e para programas sociais às vésperas de uma disputa presidencial. O início do pagamento de um Auxílio Brasil maior, de R$ 600, deve melhorar um pouco sua posição nas pesquisas eleitorais. A rejeição ao presidente entre os que recebem o auxílio tende a diminuir sensivelmente, mas isso não tem ocorrido com a mesma intensidade entre os que não o recebem - e que são maioria.
Os que recebem auxílio financeiro concentram-se no Nordeste, um reduto fiel a Lula. Bolsonaro pode ganhar votos de eleitores na região com o dinheiro que está despejando, mas é difícil haver migrações em massa. Para o eleitor da região, Lula é o criador do programa Bolsa Família e não de um simulacro com forte odor eleitoreiro. Os votos do Nordeste fazem muita diferença em uma eleição apertada, mas o destino se jogará, como sempre, no Sudeste - onde o presidente agora não vai bem. Um exemplo: Fernando Haddad, candidato petista, no primeiro turno de 2018 obteve 6,4 milhões de votos a mais que Bolsonaro nos Estados nordestinos. Bolsonaro, apenas com os votos angariados em São Paulo, mais que anulou essa diferença - obteve 12,37 milhões, contra os 3,8 milhões do rival.
Ainda que Lula tenha um eleitorado maior que Haddad, em Estados-chave ele mantém algo parecido com a votação do PT nas últimas eleições - é Bolsonaro quem desaba. Em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, o Ipec aponta vantagem de 42% para Lula, ante 29% de Bolsonaro. Haddad no primeiro turno de 2018 teve 41% dos votos e Bolsonaro 58%,1%. No Rio, Lula melhora a situação e está em empate técnico com Bolsonaro (41% a 37%), mas em 2018 Haddad lá obteve quase 37% dos votos.
No maior colégio, São Paulo, Lula puxa mais votos que Haddad (intenção de voto de 43% e votação de 32% em Haddad), enquanto Bolsonaro, por enquanto, é a sombra do que foi na eleição anterior: 29% ante votação de 67,9% em 2018. A região Sudeste, onde Lula está a frente, abriga 42% do eleitorado do país. Mas a rejeição a Bolsonaro também o coloca atrás do petista em outros redutos conservadores. No Rio Grande do Sul, onde Bolsonaro teve 63% dos votos em 2018, ele tem agora 35% das intenções de voto, ante 40% de Lula.
Os resultados do Ipec insinuam que Bolsonaro pode estar perto de ter atingido seu teto eleitoral. No primeiro turno, teria 32% dos votos. No segundo, subiria para 35%, o que é quase nada. Sua rejeição é um dos motivos principais. Ela oscila entre 46% no Ipec e 53% no Datafolha - e é muito alta em todas. Há sérias dúvidas de que consiga baixá-la apenas distribuindo dinheiro.
A rejeição a Lula, porém, pode estar subestimada e crescer no decorrer da campanha, que começa hoje. Os holofotes que iluminam principalmente o péssimo governo de Bolsonaro se voltarão também para Lula e o passado: Dilma, petrolão, mensalão etc. Além disso, a economia deixou de apresentar um cenário bastante desfavorável ao governo, abrindo uma janela de crescimento - em grande parte graças aos estímulos eleitoreiros oficiais -, que irá se fechar após as eleições.
Faltam ainda na equação eleitoral os candidatos do PDT, Ciro Gomes, estacionado entre 7% e 9%, e do MDB, Simone Tebet, parada nos 2%. Uma campanha cruenta entre os dois favoritos, como a que se prevê, pode atrair atenções e votos para Tebet, que tem o terceiro maior tempo de TV. Por enquanto, porém, são apenas possibilidades.
Editorial do jornal Valor Econômico de 17.08.2022
Fonte: https://valor.globo.com