Quem anda pelos bairros ricos e remediados de São Paulo pode ter notado que diminuiu o número de pessoas largadas nas ruas, acampadas em calçadas, catando o que comer no lixo e de crianças pedindo dinheiro nos sinais de trânsito. Ainda é horrível, claro. Lá por 2014, não se via tal extremo desse exemplo das crueldades brasileiras.
Mas o tamanho da desgraça parece ter diminuído. É uma evidência anedótica, como dizem economistas, na verdade um indicador “coxinha” da visibilidade da miséria.
As estatísticas mostram que a pobreza foi menor em 2022, graças ao aumento do número de pessoas com algum trabalho e do valor de benefícios sociais. Deve baixar mais neste 2023, com Bolsa Família maior e chegando a mais gente, por exemplo. Mas o rendimento do trabalho deve dar contribuição menor à redução dessa dureza.
Ao menos, é o que parece, da perspectiva deste junho, talvez embaçada, pois os erros de projeção econômica andam muito maiores do que de costume.
Os números do PIB e do emprego que saíram nesta semana dão mais indícios de desaceleração da economia, em particular nos setores e aspectos que têm mais impacto direto ou imediato nas ruas, na vida comum.
O número de pessoas ocupadas, com algum trabalho remunerado qualquer, tem ficado estagnado neste 2023. O crescimento do PIB no primeiro trimestre foi grande e surpreendente, decerto. Porém, olhando os dados por dentro, se pode ver menos animação, como no caso do que se chama no jargão de “demanda doméstica”.
Trata-se do consumo privado (das famílias), do consumo do governo e do investimento em novas instalações produtivas, novas casas, máquinas, equipamentos, softwares. A demanda doméstica andou para trás no primeiro trimestre, pois o investimento caiu e o consumo das famílias cresceu pouco.
O consumo até pode continuar crescendo um tico, graças também a benefícios sociais. Quanto ao investimento, a situação parece mais feia, com juros altos, empresas endividadas e ainda incertezas macroeconômicas.
O crescimento, da perspectiva da demanda (consumo em geral), veio de exportações e de estoques agrícolas, na maior parte, a serem exportados ou consumidos aqui mais adiante. Da perspectiva da produção, o grosso do crescimento veio da agropecuária.
Em suma, não parece um quadro que sugira um aumento do emprego adiante. A taxa básica de juros, a Selic que deve ficar na mesma até agosto ou setembro, vai pesar até 2024. Um alívio vem do atacadão do mercado de dinheiro, onde se definem as taxas de financiamento do governo —os juros têm caído de modo relevante. Até a expectativa de inflação implícita nos títulos baixou de modo considerável ao longo de maio.
O Banco Central começa a parecer atrasado, ainda que a inflação de fato caia muito devagar, em especial a de serviços, pressionada por salários.
Caso o governo Lula dê fim a essa conversa de aumento da meta para o IPCA, as expectativas de inflação vão cair mais e, assim, os juros na praça. É um dos meios para fazer com que 2024 seja melhor.
O PIB maior e outras decisões a respeito de impostos devem favorecer a arrecadação do governo e fazer com que seja um pouco menos difícil a Fazenda cumprir sua meta de saldo das contas públicas (déficit menor). O risco ainda é grande, claro, e parte do governo Lula ainda se dedica a fazer besteira econômica. Mas apareceu uma luz de vela também no caso do déficit.
De qualquer modo, no final de 2022 os povos dos mercados previam alta de 0,8% do PIB para 2023. Afora desastres, deve crescer perto de 2,5%. Uma diferença brutal. A tarefa agora é tratar de mudanças profundas, esquecer demagogias (como o “Mais Carros”) e ajudar a salvar 2024. Ainda dá tempo.
Vinicius Torres Freire, jornalista