Em 2018, uma boa parcela da população brasileira não foi às urnas para depositar suas esperanças, seus melhores desejos e suas melhores aspirações. Pelo menos um terço dos votos parecem ter sido movidos pela raiva, pela indignação, pelo ressentimento, pelo ódio. As eleições, momento decisivo numa democracia, momento que deveria ser marcado pela vontade de construção coletiva de uma vida melhor, de uma melhor sociedade e de um melhor ambiente político e cultural para a existência em comum, foi marcado pela vontade de destruição do outro, de eliminação e anulação do adversário.
Desde 2013, e com mais intensidade a partir de 2016, a vida política brasileira passou a se alimentar de ódios. O ódio de classe: presente entre as elites e as classes médias apavoradas com a ascensão social dos mais pobres. O ódio racista: contra as cotas raciais, a presença dos negros nas universidades, a chegada dos médicos cubanos ao país. O ódio de gênero: o machismo, a misoginia, a homofobia, a transfobia - dadas as políticas públicas voltadas para as mulheres, a legislação de combate a violência contra as mulherese o reconhecimento de direitos para os homossexuais.
Vimos madames que foram depositar seu voto indignadas com a equiparação, em termos de direitos, das empregadas domésticas com qualquer trabalhador. O médico que fez campanha de ódio em seu consultório com medo da perda de status com a expansão do ensino de medicina no país e com a democratização do acesso a universidade. O fazendeiro com ódio da legislação ambiental, da proteção às terras indígenas e quilombolas, com a inibição ao uso do trabalho escravo.
Os industriais indignados com a valorização do salário-mínimo, com o crescimento da massa salarial. O jovem branco e privilegiado enfurecido de ter que concorrer a vagas na universidade e no mercado de trabalho, no seu curso de Direito, com o filho da empregada doméstica.
Todos esses ódios foram estimulados e arregimentados por uma mídia engajada em retirar do poder o partido que vinha vencendo todas as eleições, mesmo que para isso fosse preciso criminalizar a política, atingir a democracia, ferir o Estado democrático de direito. Uma mídia movida pelos interesses de seus financiadores e não pelos interesses do país e da população, usou da compreensível indignação da população com a corrupção do sistema político, para seletivamente atacar os seus adversários ideológicos. Uma mídia ligada a defesa dos interesses do mercado financeiro e de potências estrangeiras.
Como não se constrói nada com o ódio, com a raiva, com o ressentimento, sentimentos destrutivos, o que se conseguiu, levando o ódio ao poder, foi entrarmos num período de destruição de conquistas sociais, econômicas e de direitos.
Os tucanos que, movidos pelo ódio, por terem perdido quatro eleições seguidas, tramaram o golpe do impeachment sem crime de responsabilidade, foram os primeiros a ser destruídos politicamente, pelo seu próprio ressentimento. A quadrilha de juízes, procuradores e delegados que se formou em Curitiba, movidos, entre outras coisas, por ódio de classe, vão se vendo agora destruídos em sua reputação e vida profissional. Os grupos de mídia que se engajaram nesse processo vivem uma visível debacle econômica e de credibilidade.
Mas quem mais perdeu foi a sociedade brasileira ao depositar votos de ódio nas urnas, pois elegeu uma pessoa odienta, incapaz de construir qualquer coisa. Como ele próprio já admitiu, seu governo é marcado pela destruição de todos os programas sociais, da legislação trabalhista e previdenciária, do Estado e do serviço público, da soberania nacional, do prestígio e da imagem do país no mundo. Um governo odiento que aposta na morte, na violência, na destruição de nossas florestas, de nossas nações indígenas, que privilegia a compra de armas e não a compra de vacinas.
Talvez essa traumática experiência sirva para aprendermos que nada se constrói com o ódio, que esse sentimento não deve presidir as nossas decisões políticas, pois o ódio cega, o ódio fanatiza, o ódio imbeciliza, o ódio move as pessoas para a morte e não para a vida.
Durval Muniz de Albuquerque Jr, Professor da UFPE e UFRN