Os brasileiros gostam de dizer – quase com orgulho – que os temas internacionais passam longe das campanhas eleitorais. E que ninguém vai perder tempo, no meio de uma intensa disputa por votos, em debates sobre os rumos da política externa.
Talvez este seja um bom momento para rever o conceito. A pessoa que vier a subir a rampa do Palácio do Planalto em janeiro de 2023 vai encontrar um mundo bem diferente que o de quatro ou oito anos atrás. Um mundo mais volátil e mais perigoso.
Na verdade, não se trata apenas de discutir política externa. Embora frequentemente negligenciado pelos políticos, o tema vai continuar importante. A escolha equivocada de um ministro das Relações Exteriores pode ser fatal para a imagem do país, como mostra nosso passado recente.
O novo contexto global vai exigir do Brasil e dos demais países uma flexibilidade até agora inédita. O Itamaraty continuará sendo, naturalmente, nosso principal ponto de contato com o resto do mundo. Mas vários outros ministérios precisarão estar antenados com o planeta.
A Saúde é um bom exemplo. Pouca gente dava importância à escolha do titular da Pasta, quando começava um novo governo. Pois agora qualquer pessoa que vier a assumir o ministério precisará ter, além das desejadas qualificações técnicas, um olhar atento ao que se passa em outros países.
A pandemia é um dos principais motivos pelos quais não se pode mais deixar de lado o que se passa no mundo durante uma campanha eleitoral. Por definição, uma pandemia atinge todo o planeta. E dificilmente será vencida sem uma considerável cooperação internacional.
Neste momento, o Brasil saboreia uma queda significativa no número de mortos a cada dia por causa da Covid. E não, este não é um número que interesse apenas aos brasileiros.
Dois exemplos: a suspensão das festas de Ano Novo no Rio de Janeiro foi uma das manchetes do canal de televisão BBC News no fim de semana; e o relativo sucesso da campanha de vacinação, apesar do “ceticismo do líder Jair Bolsonaro”, ganhou primeira página do jornal londrino Financial Times.
Pouca gente se arrisca, porém, a prever o comportamento da pandemia nos próximos meses. Ninguém sabe ao certo como ela se comportará a partir da descoberta da variante Ômicron, na África do Sul.
Existem otimistas, como o ministro da Saúde do novo governo alemão, o epidemiologista Karl Lauterbach, para quem a variante pode ser um “presente de Natal” e acelerar o fim da pandemia.
Outros especialistas estão mais cautelosos. O diretor da Wellcome Trust, uma das maiores fundações de apoio à pesquisa médica, disse à revista alemã Der Spiegel, que podemos estar mais próximos do começo que do fim da pandemia. “Estamos brincando com fogo”, alerta.
Duas outras pesquisadoras pedem atenção redobrada à Covid. A diretora assistente de programas no Duke Global Health Institute, Andrea Taylor, disse à CNN que falta um plano global de combate à pandemia. “Nós não somos bons para lidar com crises mundiais”, lamenta.
Por sua vez, a professora Dame Sarah Gilbert, uma das criadoras da vacina Astra Zeneca, pediu em entrevista à BBC cautela diante da nova variante. “Esta não será a última vez que um vírus ameaçará nossas vidas”, advertiu. “A verdade é que o próximo pode ser pior”.
As incertezas sobre os rumos da pandemia provocam, naturalmente, muitas dúvidas sobre o futuro da economia global. Se o atual candidato Luiz Inácio Lula da Silva já teve a seu favor um boom de commodities, quando esteve no governo, uma realidade bem diferente pode esperá-lo se voltar a ser presidente.
A onda de novas restrições a viagens internacionais, logo após a descoberta da nova variante, reduziu o ímpeto da esperada retomada da economia global. Países como Israel e Japão fecharam suas fronteiras, enquanto outros dificultaram o ingresso de estrangeiros. A preocupação com nova expansão da pandemia reduziu as projeções mundiais de crescimento.
Por outro lado, a pandemia também aumenta o risco de elevação da inflação em todo o mundo. Os índices já são preocupantes em países como os Estados Unidos, onde os preços subiram 6,2% em outubro, quando comparados ao mesmo período do ano anterior. No Brasil, agentes de mercado alertam que a elevação da inflação não é temporária e pode exigir medidas mais duras.
Portanto, se não formos informados de boas novidades ao longo do próximo ano, é bem possível que a próxima pessoa a ocupar o Palácio do Planalto assuma o governo diante de um cenário global ameaçador tanto na saúde pública quanto na economia.
Tudo isso sem mencionar riscos latentes de conflitos internacionais. Os principais deles estão em Taiwan, que a China pretende em algum momento reincorporar a seu território, e a Ucrânia, ameaçada de invasão pela Rússia por sua maior aproximação com o Ocidente.
Diante desse cenário, como se comportará o debate político brasileiro ao longo dos próximos meses? Pode ser que nada mude e que os pré-candidatos continuem levando a vida como se o resto do mundo não existisse.
O ex-juiz Sérgio Moro, por exemplo, já manteve a tradição de políticos do Centro-Sul e experimentou um chapéu de couro na sua primeira viagem a Pernambuco. Ao mesmo tempo em que o governador João Dória foi ironizado por “buscar votos em Nova York”, em viagem aos Estados Unidos para encontro com investidores.
Depois do prejuízo causado à imagem do país por Jair Bolsonaro, Lula foi muito bem recebido em sua viagem à Europa. Foi recebido por líderes importantes, como o francês Emmanuel Macron, e políticos europeus demonstraram satisfação com a “volta do Brasil” ao mundo.
Lula escorregou, porém, ao comparar a longa permanência no poder de Daniel Ortega, na Nicarágua, à de Angela Merkel, na Alemanha. Talvez para agradar à esquerda de seu partido, ele ignorou as denúncias de violações de direitos humanos na Nicarágua.
Pois temas como a defesa dos direitos humanos e da democracia não poderão mais ser evitados, especialmente depois de fenômenos como os de Donald Trump e Bolsonaro. Assim como não poderão ficar fora da agenda as questões ambientais. Como no caso da pandemia, a mudança climática atinge a todo o planeta.
A nova realidade global é complexa e vai exigir muito da futura liderança brasileira. O compositor Tom Jobim costumava dizer que o Brasil não era para principiantes. Pois agora se pode acrescentar que o mundo também não é para principiantes.
Marcos Magalhães, jornalista
Fonte: https://capitalpolitico.com