A maldição do mês de agosto chega com acintoso desfile de tanques e a Câmara de Deputados aprova a volta das coligações partidária. São afrontas à democracia. A primeira é uma demonstração de força patética. A segunda consagra o leilão de sopa de letras, vendendo ao melhor preço, verbas, tempo de televisão e o cardume de votos das piabas.
Os cientistas políticos diagnosticam uma crise global do regime democrático. E com razão. Os riscos são reais. Todavia, é um sistema jovem: pouco mais de duzentos anos. Prefiro falar em transformação a despeito do crescimento da autocracia e ideias extremistas que lhes dão sustentação.
A razão é simples: estar em transformação é o estado natural da democracia; o despotismo é estático.
Neste sentido, recorro à obra de Samuel Huntington, A Terceira Onda (1994. Ed. Ática): o autor refere-se, a partir de 1828, a períodos de “democratização e ondas reversas” com ênfase na onda de 1974.
O Brasil viveu a transição do regime militar para o regime autoritário, em dois processos: o da liberalização e o da democratização. A liberalização se consumou com a Constituição de 1988 e a democratização, ponto de chegada, depende do esforço permanente para integrar cincos campos: a Sociedade Civil, o Estado de Direito, a Sociedade Econômica, a Gestão Pública e a Sociedade Política.
Esta integração é obra inacabada; está sempre mudando e em processo de aperfeiçoamento. É um ponto de chegada nem por isso a salvo de aventuras e ameaças autoritárias.
O quadro atual aponta para circunstâncias preocupantes.
Começou com o desfile de tanque em frente ao Palácio do Planalto sob o pretexto de entregar um convite ao Presidente da República. Tarefa rotineira que o agonizante Correios executaria. O despautério do evento permite interpretar como uma demonstração de força (?). Vale a tensão institucional.
A ameaça de não haver eleições, caso a PEC do “voto impresso auditável” não fosse aprovado, é um blefe. O fiel “centrão” entregou mercadoria: uma votação lida como resposta a um improvável impeachment. Com a palavra a CPI da Covid e investigações paralelas.
A Câmara, por sua vez, contribui para grave retrocesso do sistema político. Espertamente troca a aberração do distritão pelo retorno da coligação com o jeitinho da federação de partidos. Com isso, favorece os atuais parlamentares, aniquila a cláusula de desempenho e ratifica a fragmentação partidária.
A disfuncionalidade do sistema político reforça os argumentos dos que pretendem destruir a democracia. O Senado com a palavra.
Coligações partidárias têm outro significado: o leilão da sopa de letras (siglas) que vende pelo melhor preço, verbas, tempo de televisão e o cardume dos votos das piabas. Farra de 7 bilhões de reais à custa do dinheiro do povo.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda
Fonte: https://www.metropoles.com