A expressão latina Ave Imperator, morituri te salutant ou Ave Caesar, morituri te salutant (“Ave, César, aqueles que estão prestes a morrer o saúdam”) foi usada a primeira vez em 52 d.C, como saudação ao imperador romano Cláudio, durante um evento no Lago Fucino, na Itália, no qual escravos e criminosos condenados à morte foram obrigados a simular uma batalha naval denominada Naumaquia. Segundo o historiador romano Caio Suetônio Tranqïlo, Cláudio teria respondido “Aut non”(ou não). Em 89 a.C, o lago fora palco da morte de Lúcio Catão, cônsul da República Romana, durante batalha contra rebeldes das cidades italianas.
No clássico De Cita Caesarian, Suetônio escreveu sobre 12 imperadores romanos, entre os quais Julio Cesar e Nero. A obra mistura verdade e ficção, mas retrata de tal forma a vida no Império Romano que influenciou toda a historiografia sobre esse período e, de certa forma, a compreensão da formação da civilização ocidental. O lema dos gladiadores vem ao caso em razão da estratégia do novo responsável pela defesa do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, o advogado Cezar Roberto Bitencourt.
“Na verdade, ele é um militar, mas ele é um assessor. Assessor cumpre ordens do chefe. Assessor militar com muito mais razão. O civil pode até se desviar, mas o militar tem por formação essa obediência hierárquica. Então, alguém mandou, alguém determinou. Ele é só o assessor. Assessor faz o quê? Assessora, cumpre ordens”, disse o advogado, nesta quarta-feira. A nova linha de atuação da defesa de Mauro Cid é um reflexo do avanço das investigações da Polícia Federal (PF).
Até agora, Mauro Cid estava como um gladiador romano, pronto para morrer por Bolsonaro, mas o escândalo da venda do Rolex de ouro branco cravejado de brilhantes nos Estados Unidos complicou ainda mais a sua situação. E arrastou seu pai, o general Lourena Cid, ao olho do furacão. Com suas declarações, Bitencourt transfere a responsabilidade sobre os atos de Mauro Cid para seu superior imediato. O cargo de ajudante de ordens é o único da Presidência cuja nomeação é prerrogativa do Exército. Entretanto, o nome já diz: ajudante de ordens. Ou seja, o militar com essa função cumpre ordens diretas do presidente da República.
Bitencourt não chega a responsabilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro diretamente, mas insinua, ao destacar a necessidade de identificar o responsável pelas ordens recebidas. Oficial da ativa, Mauro Cid não estava subordinado ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, nem ao secretário-geral da Presidência, general Luiz Ramos, integrantes do estado-maior da Presidência. Hierarquicamente, cumpria ordens diretas de Bolsonaro.
Coisas erradas
A troca de advogados revela que a estratégia de defesa do grupo de envolvidos na venda de joias da Presidência deixou de ser unificada. O advogado desmente a intenção de negociar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, mas a nova linha de defesa exige que Mauro Cid indique o nome de quem deu as ordens para fazer tantas coisas erradas. Com esse cavalo de pau na sua estratégia de defesa, virou um homem-bomba.
O militar tem informações sobre tudo o que acontecia nos bastidores do Palácio do Planalto, estava diretamente envolvido em ações ilegais, como falsificar certificados de vacina, tentar liberar joias na Receita Federal e, como ficamos sabendo, na tentativa de golpe de 8 de janeiro. A Polícia Federal já tem tantas informações e provas contra o militar que somente aceitaria uma delação premiada se realmente surgissem fatos novos contra Bolsonaro.
Outro aspecto da linha de defesa de Mauro Cid é a “banalização”das coisas erradas, para usar uma expressão de Hanna Arendt ao descrever a atuação do criminoso nazista Adolf Eichmann, que foi localizado pelo Mossad, o serviço secreto de Israel, na Argentina, sequestrado e levado para julgamento em Jerusalém. A filósofa judia-alemã radicada nos Estados Unidos fez uma grande reportagem sobre o julgamento, que presenciou integralmente.
Eichmann não era um monstro sanguinário, segundo Arendt, mas um burocrata obediente e zeloso, sem nenhuma empatia por suas vítimas. A filósofa desnuda a capacidade de o Estado nazista igualar a política de extermínio dos campos de concentração ao mero cumprimento de atividade burocrática, que era como Eichmann encarava seu trabalho. Por que condenar um funcionário público dedicado, obediente, cumpridor de metas e dentro da ordem legal vigente? Obviamente, Eichman foi condenado à morte por seus crimes, a “banalidade do mal” não serviu de desculpa para sua absolvição.
Luiz Carlos Azedo, jornalista