Quem é o eleitor brasileiro? Eis a pergunta sobre a qual, a esta altura, estão debruçados candidatos e assessores. O que os leva à decisão de voto? Quais são os fatores que balizam o processo decisório? Tentemos mostrar nuances.
Cerca de 150 Milhões de eleitores brasileiros deverão ser envolvidos pela “feitiçaria” que a publicização política haverá de construir, nos próximos meses. Como podemos evitar a embrulhada engendrada pela atmosfera criada pela propaganda eleitoral, já em pleno curso, com as inserções partidárias? Primeiro, é oportuno identificar a simulação usada por candidatos, que querem aparecer mascarados, sem sua identidade.
Ora, “nenhum homem, por maior esforço que faça, pode acrescentar um palmo à sua altura”, diz a Bíblia, e alterar o pequeno modelo que é o corpo humano. Mesmo usando a engenharia de artimanhas do marketing. Há, de fato, cerca de 30 milhões de brasileiros que vivem em estado deplorável. O país mostra sinais de anomia e degeneração de valores. Mas tem uma base sobre a qual se pode navegar com segurança. Usar o acervo de mazelas, sob o artifício de emoções falsas, costuradas na colcha de diagnósticos por demais conhecidos, sem apontar caminhos e soluções para os avanços, é querer instrumentalizar a catarse coletiva.
Candidato não é sabonete. O eleitor quer um candidato honesto e com experiência administrativa, mas banhado pelo conceito da assepsia, da higienização política. O ideário da inovação e da renovação ganha espaço em meio a nomes carimbados do quadro nacional. Também quer votar em pessoas que passem a ideia de bons controladores do orçamento municipal. Nesse aspecto, as candidatas levam vantagem – a mulher sempre controla o orçamento doméstico e transmite maior confiança. Chega ao fim o “candidato sabonete”, apresentado como um verdadeiro produto para o consumo de massa, cuja imagem era construída por meio da cosmética publicitária.
Outra questão é sobre as redes sociais. A influência da Internet será maior do que nas eleições passadas, mas ela não constitui, ainda, um veículo fundamental. Nada substitui o contato pessoal do candidato com seu eleitorado. Diante da crise social, da desconfiança e da descrença, as pessoas sentem necessidade de ver seus candidatos de perto. Os políticos devem sair às ruas e andar pelas casas e pelos bairros. Mais importante do que os grandes comícios serão os pequenos encontros, como cafés da manhã, visitas, mutirões e carreatas.
A esperteza, a dramatização, os recursos artificiais, a hipocrisia e a insinceridade têm sido a tônica da cultura política. Mais uma questão: “o que faz um eleitor preferir um candidato a outro?” Não há uma resposta fechada para a questão. Dependendo do candidato e da região, certos fatores pesam mais que outros. O primeiro apelo é o do bolso. Relaciona-se à luta pela sobrevivência e à necessidade de se garantir o alimento. Esse é um dos impulsos básicos do ser humano, que age principalmente em épocas de contenção, crise e desemprego.
Tenho escrito bastante sobre o uso de instintos em campanhas eleitorais, com destaque para o instinto nutritivo. Até formei uma hipótese que tenho usado para explicar o processo de decisão de voto. Que parte do cinturão econômico é ciclicamente usado por governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O “xis” da questão resume-se na equação BO+BA+CO+CA: bolso (BO) cheio enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), emociona o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. E o troco, a recompensa? O voto na urna. A recíproca é verdadeira. Bolso vazio é reviravolta eleitoral.
Quaisquer propostas para garantir o sustento de pessoas e famílias, quando feitas de maneira crível e objetiva, laçam o interesse das pessoas. Um bom emprego ou a perspectiva de melhorar de vida simbolizam o eixo desse discurso. Outro fator de interesse liga-se à região, ao município, ao bairro, à rua. Trata-se do fator proximidade, que, nos últimos tempos, tem despertado a intenção dos eleitores. O voto está ficando distritalizado, regionalizado.
Mais um elemento emerge com importância: a proximidade psicológica entre eleitor e candidato. Trata-se, no caso, do conhecimento que o eleitor tem do candidato, aí incluídos os contatos, a aproximação, a tradição familiar, o grau de intimidade. É como o eleitor estivesse votando em alguém da família.
Por último, a onda das circunstâncias. Os bons candidatos sempre recebem uma ajudazinha do clima psicológico dos momentos, formado pelos ventos que sopram a seu favor, e que o projetam como a pessoa que melhor cristaliza os sentimentos gerais.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
Fonte: https://www.metropoles.com