O real se fortaleceu nas últimas semanas, com a cotação do dólar em relação à moeda brasileira enfim caindo abaixo de R$ 5. Um câmbio valorizado por mais tempo pode ser um fator adicional a abrir espaço para o Banco Central (BC) começar a cortar os juros, se isso influenciar as projeções para a inflação, que seguem acima das metas perseguidas pelo Banco Central (BC). Apesar da trajetória de apreciação do real nas últimas semanas, porém, há muitas incertezas sobre a sustentabilidade do movimento.
Nos últimos 30 dias, o dólar recuou 38 centavos, passando de R$ 5,29 para R$ 4,91. A queda de 7,2% da moeda ocorreu num cenário marcado pela melhora no cenário externo, com a redução dos temores de uma crise bancária nos EUA e na Europa, sinais de alguma moderação da inflação americana, o enfraquecimento do dólar em relação a outras moedas e a alta dos preços de commodities.
Além disso, o anúncio do novo arcabouço fiscal no fim do mês passado foi bem visto pelos investidores estrangeiros, que não analisam em tantos detalhes a nova regra para as contas públicas. Para completar, os exportadores têm trazido os dólares para o país, num momento de elevados saldos comerciais, para aproveitar o nível dos juros domésticos, com a Selic a 13,75% ao ano.
Pelo modelo do economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria, os fatores externos comandam a valorização do real ocorrida desde 15 de março. O motivo preponderante foi o aumento dos preços de commodities, produtos que têm grande peso na pauta exportadora do Brasil. No período, o índice CRB subiu 8,7%. O dólar também perdeu força no mercado internacional, como mostra o indicador DXY, que recuou 3% no último mês. O DXY mede o valor da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas - euro, iene, libra, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço. Vale lembrar que o dólar tem se desvalorizado em relação às moedas de outros emergentes, além do Brasil.
Entre os fatores externos, o modelo de Ribeiro leva em conta os preços de commodities, a moeda americana no mercado internacional, a taxa de 10 anos dos títulos do Tesouro americano e a parte do risco Brasil explicada por questões globais. As outras duas variáveis são a diferença entre os juros externos e os brasileiros e os fatores internos. Segundo Ribeiro, a dinâmica do real desde 15 de março foi dominada pelo comportamento das commodities, com contribuições relevantes do DXY e do CDS (credit default swaps, espécie de seguro contra calotes), uma medida de risco país. O CDS pode se mover por motivos globais ou locais, destaca Ribeiro, também pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Nessa janela, o modelo aponta para a queda do CDS apenas devido a fatores externos, ligados à melhora da percepção do risco dos emergentes.
Nas contas do economista, a diferença entre os juros externos e os domésticos não colaborou para o fortalecimento do real no período - nos últimos 30 dias, a distância entre as taxas de juros de um ano do Brasil e dos EUA na verdade se estreitou um pouco, de 7,77% para 7,29%. Por fim, os fatores domésticos são o “resíduo” não explicado nem por motivos externos nem pela diferença de juros. De 15 de março para cá, não teriam contribuído para a valorização da moeda brasileira, pelo modelo de Ribeiro.
Além da melhora do cenário global, o último mês também foi marcado pelo anúncio do novo arcabouço fiscal. Especialistas em contas públicas apontaram problemas na regra, como a necessidade de aumento permanente de receitas e de ela prever elevações anuais dos gastos, entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. No entanto, os investidores estrangeiros, em especial, viram no anúncio um sinal para apostar na moeda brasileira, por ver nele algum rumo para as contas públicas.
Ribeiro ressalta a diferença de atitude entre os participantes de mercado domésticos e os do exterior. O simples fato de a regra fiscal ter sido anunciada levou estrangeiros a decidir pela compra de reais - ou pela reversão de operações contra a moeda brasileira -, tendo como pano de fundo um quadro global em que a aversão ao risco diminuiu, com a redução dos temores de uma crise do sistema financeiro nos EUA e na Europa e números mais favoráveis sobre a inflação americana e alguma moderação na atividade econômica por lá, indicando que a alta de juros nos EUA poderá ser menos intensa do que se esperava.
Por fim, os exportadores estão trazendo os recursos de suas vendas no exterior para o Brasil, para se beneficiar dos altos juros domésticos. No primeiro trimestre, o fluxo de dólares foi positivo em US$ 12,524 bilhões, o maior para os três primeiros meses de um ano desde 2012, sustentado quase integralmente pelo câmbio comercial.
Com a perda de fôlego da economia, à exceção do setor agropecuário, a desaceleração do crédito e o comportamento mais benigno da inflação, o câmbio mais valorizado é um fator a mais que pode permitir o começo do ciclo de queda da Selic. Já as expectativas inflacionárias jogam contra o início dos cortes dos juros, por apontarem um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acima das metas perseguidas pelo BC, de 3,25% neste ano e de 3% a partir do ano que vem. Um dólar em torno de R$ 5 - ou abaixo desse valor - por mais tempo poderia ajudar a reduzir a inflação corrente e também as estimativas para o IPCA.
Para Ribeiro, porém, o dólar não deve continuar abaixo de R$ 5. “Seguimos céticos quanto à sustentabilidade da apreciação do real”, afirma ele, embora note que as projeções da BRCG já foram piores. Hoje, ele prevê um dólar de R$ 5,25 no fim deste ano e de R$ 5,60 no fim do que vem no seu cenário-base. Há um mês, as estimativas eram de R$ 5,45 e R$ 5,85. Na visão do economista, fatores como os preços de commodities, a taxa dos títulos do Tesouro americano de longo prazo e o dólar no mercado internacional devem caminhar numa direção desfavorável para a moeda brasileira. “E eu sou cético em relação ao arcabouço fiscal, ao que será necessário para colocá-lo em pé e às medidas que o governo vai ter que tentar passar para torná-lo viável.” Para ele, é difícil que a regra fique “estruturalmente” em pé. Isso pode até ocorrer no curto prazo, “mas ao custo de um aumento de tributação, que vai deprimir crescimento, vai deprimir renda disponível”, avalia Ribeiro.
O economista considera que isso pode levar a um cenário de “grandes mudanças de fundamento e grandes mudanças de preço”. Nesse quadro, o dólar não ficaria na casa de R$ 4,90 até o fim do ano, voltando a subir nos próximos meses.
Sergio Lamucci, jornalista
Fonte: https://valor.globo.com