É de se reconhecer a capacidade do Presidente de contagiar sua equipe com seu amor pelas armas em tão curto tempo. Nesse sentido, é como se a Esplanada dos Ministérios tivesse se tornado uma espécie de clube de tiro para ministros.
Chamo a atenção para esse fenômeno no momento em que mais um ministro do atual governo deixa a pasta atirando. Dessa vez, foi o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro que mandou bala, ainda que acidentalmente, em pleno aeroporto da Capital Federal.
A lista de atiradores egressos do clube de tiro palaciano é considerável. Grande parte deles entrou no governo imaginando embarcarem em um projeto de país onde não haveria Estado, petistas, comunistas e ambientalistas (nem ambiente, na verdade).
Passado algum tempo, decepcionados (por diferentes motivos) com o Mateus que ajudaram a parir, foram deixando a cria para outros balançarem. O pouco tempo de convívio com o Gabinete do capitão, no entanto, foi suficiente para adestrá-los na arte do tiro-rápido.
Contudo, se, por um lado, os ex-assessores da Presidência aprimoraram-se no uso e abuso da munição letal, por outro, não receberam instrução cuidadosa a respeito da seleção dos seus alvos. Todos saíram atirando no próprio Bolsonaro, com exceção de Ribeiro, que atingiu apenas sua própria maleta e, de raspão, a moça do balcão.
A lista não é pequena e inclui civis e militares. O General Santos Cruz está entre os que seguem mandando chumbo grosso na direção do Planalto. Usando a experiência adquirida na ocupação de território hostil (no Congo e no Haiti), tem descarregado artilharia pesada desde que deixou o governo.
O Juiz Moro demonstrara anteriormente ter inclinação para rajadas de fogo à vontade, usadas contra o ex-presidente Lula e seu entorno. Ao entrar para o clube de tiro da Esplanada tratou de virar a mira para o chefe, abusando do fogo amigo.
Rêgo Barros, apesar de militar, dominava uma modalidade balística mais sutil (a escrita). Desgostou dos rumos do Presidente, ou da falta deles. Fora do governo e da farda, segue disparando com firmeza, sem perder a elegância que a pena jornalística lhe proporciona.
Mandetta, o ex-ministro da Saúde que tentou organizar o enfrentamento da pandemia, foi abatido em pleno vôo pelo próprio clube de tiro, mas levou munição de sobra para gastar até outubro deste ano. Tendo sido deputado, quando assumiu o ministério já dominava o uso do gatilho.
O episódio mais curioso é o do Weintraub, mais um ministro da Educação atirador. Prefere o chumbo de caça (aquele que se espalha pra todo lado), muito usado pelos belicosos que não desenvolveram clareza e precisão. Confiava sua mira à astrologia e agora cospe fogo a esmo, esquecendo-se da máxima “não há quem cuspa para cima que não lhe caia na cara”.
Importante registrar o tiro de misericórdia dado pelo “terrivelmente evangélico” ex-ministro da Justiça, que atirou pelas costas do Presidente com seu voto no STF, ao fuzilar com inesperada bala perdida o deputado aliado.
Em um ano que aponta para urnas magras, o clube de tiro governista deve perder frequentadores que, mal instruídos, deverão sair atirando pra todo lado. E terá dificuldades em atrair novas matrículas.
Em um cenário semelhante, imagine a surpresa de Júlio César, na Roma Antiga, com a ingratidão do seu “clube de adaga”, levando em conta o desfecho trágico. Nesse sentido, o Planalto precisa avaliar a fidelidade flácida de seu clube de tiro.
Felipe Sampaio, ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; foi assessor especial do ministro da Defesa (2016-2018).
Fonte: https://www.metropoles.com