O governo não tem programas ou metas e a economia está destroçada. Isolado e ridicularizado no mundo, assustado com os maus exemplos e a gestão caótica que alimentou o crescimento do morticínio da pandemia, Jair Bolsonaro tem seu único legado: o título de cidadão carcerário. Honraria reservada aos luminares da “milicianização” do Estado, expediente de inspiração nazista que gestou e institucionalizou grupos paramilitares. Os malfeitores o rodeiam, os infames o exaltam, os degenerados o louvam, os vis o bajulam, os delinquentes o circundam, os salteadores o protegem, os assassinos o seguem, os fascistas o servem e os golpistas o celebram. Toda horda de facínoras encontra acolhida no valhacouto bolsonarista. “Aos homens sobrevivem o mal que fazem”, ensinou William Sheakespeare no funeral do mito Júlio Cesar.
Entre os salteadores mais renomados da Nação, enrodilhados novamente no poder, estão dois célebres ex-presidiários: Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson. Valdemar Costa Neto é uma sumidade do crime e hoje preside o PL, do centrão. Em dezembro de 2013, foi sentenciado a sete anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão. Depois de recolhido um ano no xilindró, passou a cumprir prisão domiciliar. Em maio de 2016 foi solto depois que o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, o indultou. O “boy”, alcunha no submundo do surrupio de verbas públicas, foi a estrela dos criminosos na posse da ministra Flávia Arruda, alçada ao topo da articulação da nova política de Bolsonaro em abril de 2021.
A deputada Flávia Arruda é casada com José Roberto Arruda, cuja carreira política se conjuga com delinquir. Como senador e líder de Fernando Henrique Cardoso violou o sigilo do painel eletrônico em votação secreta na cassação do mandato do ex-senador e inimigo local Luiz Estevão, em 2001. Renunciou para evitar a própria cassação e arrastou nessa desventura o então presidente do Senado, o baiano Antônio Carlos Magalhães. Como governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, foi pilhado em um vídeo recebendo uma sacola com propina de R$ 50 mil. Seria para comprar panetones sociais, alegou, mas não colou. Foi preso, cassado e condenado por corrupção e falsidade ideológica. Em 2020 o STJ confirmou a condenação. Inelegível, improvisou uma laranjada doméstica para se manter no poder.
O ex-deputado é chave de cadeia. A filha passou pelo mesmo dissabor. Desde o governo Fernando Collor escarnece com o cinismo dos gangsters. Foi sentenciado a 7 anos de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cumpriu 1 ano e 3 meses. O ministro Luís Roberto Barroso, de novo, estendeu-lhe o regime aberto. Suficiente para o gatuno abrir a boca reincidentemente defendendo rupturas: “Nós temos que entrar lá e colocar para fora na bala, no pescoção, no chute na bunda, aqueles 11 malandros que se fantasiaram de ministros do Supremo Tribunal Federal”, afirmou ele em entrevista a um canal compatível com sua vileza. Antes havia dito barbaridades como “toga não é mais forte que fuzil”.
“Está precisando montar umas milícias em Juiz de Fora e dar um pau na Guarda Municipal, um pau, pau para quebrar, virar os carros, meter fogo e dar um pau neles. Monta uma cena para eles chegarem. Aí, quando chegarem, fecha a rua com pneu, bota fogo, isola os caras, dá um pau neles de cacete, bate no joelho, no cotovelo, no ombro, para quebrar a articulação. Bate para quebrar e eles não vão voltar mais”, bravateou o ladravaz. O incitamento à violência é fora da curva. Foi retirado do ar nas redes sociais. A Justiça ficou inerte, como se não existisse um juiz por dentro da ameaça. Recentemente Jefferson, condenado por ladroagem, estrelou um vídeo compartilhado por Bolsonaro onde diz: “ele tem honrado o que ele disse na campanha, eu não vou roubar e não deixar roubar”.
Bolsonaro regurgitou certa vez: “Eu acabei com a lava jato porque não tem mais corrupção no governo”. Dias depois surgiu o Roberto Arruda de Bolsonaro, o vice-líder do governo, Senador Francisco Rodrigues, que já retomou de fininho o mandato. O escatológico baculejo da PF encontrou dinheiro nas nádegas do parlamentar da nova política aliada de Bolsonaro. Em um governo de obcecados por “hemorroidas”, “ânus”, “reto” e “rachadinhas”, encontrar dinheiro – sujo – no rachadão do vice-líder é vexatório. Serve a jocosidades e revela que os vícios do ofício se multiplicam em novos e velhos orifícios. A declaração de Bolsonaro soou falsa após as aplicações na poupança de seu aliado. Chico Rodrigues assinou a CPI que mira as fendas de Bolsonaro no combate a Covid-19.
O deputado Daniel Silveira, bolsonarista raiz, ficou trancafiado 1 mês. É outro cidadão carcerário que cumpre domiciliar por ameaçar o Judiciário: “quando o Bolsonaro decide uma coisa você vai lá ‘não, isso não pode’… Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, tá certo? Inaceitável. Intolerável, Fachin? Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não. Porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda. E quando chega em cima, na Suprema Corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda”. Hoje anda mais calminho e pode virar réu em breve.
Flor de Lis foi eleita na mesma onda da fossa nova carioca que nos brindou com Daniel Silveira e outros ogros. Encarnam a alegoria do embuste batizado de nova política. Um hibridismo de banditismo, cinismo, incompetência, corrupção e imposturas. Flor de Lis é evangélica, de comportamento demoníaco, e aliada de Bolsonaro. Formalmente acusada em agosto de 2020 como mandante da morte do marido, está longe do xilindró há quase 1 ano pela imunidade parlamentar e ausência do flagrante. Ainda não recebeu sua condecoração de cidadã carcerária por ser deputada e contar com a leniência do presidente da Câmara para procrastinar seu julgamento. A distinção deverá ser entregue em breve.
O bolsonarismo é o tugúrio dos assassinos. O tal “Jairinho”, preso como suspeito de matar uma criança de 4 anos, faz jus a várias medalhas de cidadão carcerário. Flávio Bolsonaro apareceu em um vídeo fazendo dobradinha política com o pai do “Jairinho”, coronel Jairo. Pai e filho foram citados em depoimentos por envolvimento com as milícias. Outros homicidas circundam o mito. Há o vizinho miliciano, Ronie Lessa, suspeito de executar a vereadora Marielle Franco, e Adriano da Nóbrega, chefão do escritório do crime, apagado num confronto com a polícia. Ele empregou a mãe e a esposa no gabinete de Flávio Bolsonaro, que foi denunciado por corrupção e é potencial candidato ao título no futuro. Adriano da Nóbrega recebeu a medalha de cidadão carcerário do próprio Flávio Bolsonaro. Jair Bolsonaro o chamou de “herói”.
Os parentes de Michelle Bolsonaro também são familiarizados com a carceragem. A avó, falecida, foi presa por tráfico. A mãe respondeu por falsificação de documentos e o tio João Batista Firmo Ferreira, envolvido num esquema de grilagem de terras, acaba de ser sentenciado a 10 anos por integrar uma milícia que vendia lotes ilegais em Brasília. Michele Bolsonaro recebeu em sua conta R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro, outro cidadão carcerário, preso em 2020 com a mulher foragida. Indagado sobre a grana, o capitão ficou transtornado ameaçou agredir um jornalista: “Minha vontade é encher tua boca na porrada. Seu safado”. Mas a pergunta simples, continua sem resposta e ameaçadora.
Há uma fila agônica de cadastrados no programa cidadão carcerário. O STF investiga a disseminação de fake News e supostas influências eleitorais em 2018. 29 bolsonaristas foram alvos de busca e apreensão. No inquérito sobre atos golpistas de 2020, outros 21 aliados do capitão tiveram os sigilos quebrados. Entre eles o senador Arolde de Oliveira (falecido) e dez deputados, como Carla Zambelli, Bia Kicis, o indefectível Daniel Silveira e Otoni de Paula, entre outros. Sarah Giromini, a terrorista malograda que foi homenageada como cidadã carcerária, se diz arrependida, mas outros perfis criminosos ainda rondam o guichê atrás do título.
O ex-ministro do Turismo, foi denunciado pelo laranjal do PSL. O partido que elegeu Bolsonaro é investigado também outros estados. Abraham Weintraub, que defendeu a prisão dos “malandros” do STF tem processos e escapuliu. Onyx Lorenzoni pagou para escapar do crime confesso de caixa 2 e recusar a medalha. Eleitos na falsa renovação em 2018, contra a velha política, os governadores de Santa Catarina e Amazonas foram alvos de pedidos de impeachment por suspeitas de irregularidades. Wilson Witzel foi afastado e o espectro do complexo carcerário de Bangu o deixa insone. Foram aliados de Bolsonaro na campanha e são potenciais homenageados com o título de cidadão carcerário.
Steve Bannon, mentor da direita mundial, foi preso sob a acusação de desviar dinheiro de uma campanha de apoio à construção de um muro entre os Estados Unidos e o México. Bannon foi o estrategista da campanha de Donald Trump. É o criador do grupo The Movement, que tem representantes no mundo todo. Na América Latina o líder do movimento é Eduardo Bolsonaro, vocalista de golpes. Bannon até merece, mas não deve receber a condecoração do governo brasileiro, reservada a detentos internos. O correspondente de Bannon no Brasil, mentor do Bolsonarismo, é Sérgio Moro e sua “equipe do MP”. Declarado faccioso e com sentenças reformadas, Moro tem um horizonte enevoado por processos e treme de medo de ser selecionado para o programa cidadão carcerário no futuro.
Há ainda os crimes contra o Estado Democrático que ensejam o recebimento da medalha. Entre eles figuram o ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, que plagiou o nazista Joseph Goebbels em um discurso; o ex-chefe da SECOM que produziu a peça publicitária com dizeres análogos ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia; o ex-ministro da Justiça que usou a PF como a gestapo para abrir inquéritos contra críticos do governo com base na Lei de Segurança Nacional; o ex-chanceler Ernesto Araújo que equiparou o isolamento social aos campos de concentração e Felipe Martins, assessor, que usou gestos supremacistas dentro do Senado e ainda é funcionário do governo.
A dita nova política, embuste publicitário de mudança de métodos e inovação nas ações, apresentou um cardápio de velhacarias e meliantes. A realidade é que 39% dos eleitores brasileiros entronizaram um troglodita no comando da Nação. Ao contrário do mito socrático, esse homem das cavernas não quer a luminosidade do conhecimento, a libertação da ciência e os horizontes da liberdade. O bárbaro anseia arrastar os 60% restantes para dentro da escuridão das cavernas, para as trevas da ignorância e a prisão eterna ao obscurantismo. A população carcerária tende a aumentar nos próximos tempos com os caudatários da selvageria, mas não haverá medalhas suficientes nem mesmo Bolsonaro para outorgá-las.
Weiller Diniz, jornalista
Fonte: https://osdivergentes.com.br