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O Brasil voltou com tudo

O Brasil voltou com tudo

O Brasil voltou, diz o mote dos cem dias de Lula que está por todo lado. O tom obrigatoriamente laudatório dos balanços oficiais ressalta: voltaram a preocupação com meio ambiente, a ênfase nas campanhas de vacinação e nas políticas públicas de educação.

O resgate dos ianomâmis marcou os primeiros dias do terceiro mandato, ao mesmo tempo que a reação contra a tentativa de golpe em Brasília devolveu protagonismo e força às instituições.

Ainda assim, qualquer observador menos sabujo já terá se perguntado: não podia voltar só o diálogo com a sociedade civil e ficar no passado a sofreguidão por encher as estatais de políticos e sindicalistas escolhidos a partir de qualquer critério — menos o técnico?

A preocupação social e com o meio ambiente é fundamental, mas precisavam voltar também esses planos de subsídio desbragado a setores ineficientes que quebraram a economia no passado? É ótimo que o país volte a participar mais ativamente da arena internacional, mas precisava ser bajulando o ditador venezuelano Nicolás Maduro e passando pano para a invasão de Vladimir Putin na Ucrânia? E por fim: não podia voltar apenas Marina Silva, e não Eduardo Cunha?

A resposta, infelizmente, é conhecida: não, não podia. Se tem uma coisa que os cem dias nos comprovaram, é que Lula e o PT podem até se maquiar para ganhar a eleição, mas, no final, o pacote é sempre o mesmo.

Não importa quanto tempo passe, o combo costuma trazer times admiráveis na Saúde e na Educação, mas nunca vem sem o gosto pelo compadrio e por alianças turbinadas com dinheiro público. A tese de que gastar a rodo resolve qualquer problema parece ter sido inscrita no DNA dos lulistas, apesar dos resultados desastrosos já constatados no governo Dilma.

O que não voltou ainda foi o momento mágico vivido pela economia no primeiro e no segundo mandatos de Lula, e isso parece que o está deixando exasperado. No discurso dos cem dias, ele pressionou Fernando Haddad a “desenrolar” o Desenrola, programa pelo qual o governo pretende renegociar dívidas dos inadimplentes com juros mais baixos e a cobertura do Fundo Garantidor de Operações da União.

O presidente se mostra ansioso também para dar a volta no que o incomoda ou o impede de fazer o que quer: a Lei das Estatais, a autonomia do Banco Central, a paridade dos preços dos combustíveis, a pulverização do controle da Eletrobras.

Nesse caso, o respeito pela institucionalidade perde para o “pragmatismo” — essa palavra gasta que adquire viés positivo ou negativo conforme a necessidade do analista, mas que na prática pode ser traduzida em: temos princípios, mas se precisar também podemos não ter.

Foi assim que Arthur Lira (PP-AL), que na campanha era chamado por Lula de “imperador do Japão”, virou um aliado incontornável do governo. E que o orçamento secreto, chamado pelo presidente de “excrescência” antes da eleição, voltou com metade do tamanho e nova roupagem, mas ainda servindo aos mesmos propósitos. A sangria na Codevasf, que sob Bolsonaro era execrável, agora voltou como questão menor, tudo culpa da imprensa.

E é por isso que Eduardo Cunha, um dos principais responsáveis pela saída do PT do poder com o impeachment de Dilma, hoje circula todo faceiro nos bastidores fazendo o que sabe melhor: bagunçar o coreto para tirar da confusão algum lucro. Nesta semana, ele ocupava lugar de destaque na mesa em que a ministra do Turismo, Daniela do Waguinho, anunciou que pretende deixar o União Brasil para se filiar ao Republicanos.

O movimento colocou o partido em polvorosa e fragilizou ainda mais seu apoio ao governo, no momento em que Lula precisa dos 59 deputados da legenda para formar uma base sólida na Câmara. Apesar da pressa, nada de relevante ainda foi aprovado, nem mesmo as MPs enviadas ao Congresso em janeiro.

A volta de Cunha ao cenário, indicando que mais gente vem voltando por aí, funciona como um símbolo desses cem dias. Ela mostra que o Brasil voltou, sim. O problema é que voltou com tudo.


Malu Gaspar, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/