A candidatura de Bolsonaro e sua eleição nasceram de um embuste. Que não pode ser explicado sem o pânico que se gerou na direita e em significados setores da opinião pública pela possibilidade do PT voltar a governar o Brasil.
Para isso foi necessário travestiar a candidatura pelo que ela não é. Se o caudal de apoios contra o PT veio das acusações de corrupção, dos supostos gastos excessivo dão Estado para promover políticas sociais, se somaram a exploração da insegurança de amplos setores da população. Haveria então que travestir o candidato de representar uma “nova política”, sem depender dos partidos tradicionais e do Congresso, de se rebelar contra as travas institucionais, especialmente presentes no Judiciário. Haveria de apagar seu passado inóquo e irrelevante no Parlamento. Haveria que fazer como se ele governasse sem o troca-troca com o Congresso e com todos os seus aliados.
Haveria que fazê-lo passar por alguém não comprometido com a corrupção e disposto a eliminá-la do governo. Haveria que esquecer os filhos que ele tem e os próprios casos em que ele mesmo esteve envolvido em casos de corrupção.
Haveria de fazê-lo passar pelo defensor das pessoas, armando-as mais ainda para que possam se defender dos assaltos e deixar as polícias totalmente livres para atuar, fazendo com que mais violência seja a forma de combater a insegurança das pessoas.
Haveria que fazer do candidato o preferido dos evangélicos, fazendo dele um defensor da religião, da família, dos valores tradicionais. Um combatente contra os movimentos de mulheres, de negros, de indígenas, de direitos humanos, como se com isso defendesse os valores conservadores em perigo.
Haveria que fazer com que ele atacasse sempre aos meios de comunicação, como forma de se defender das denúncias sobre seu governo, do seu comportamento pessoal e do dos seus filhos. Ele teria que aparecer como combatendo o establishment e como vítima dos que resistem a suas iniciativas para terminar com privilégios concedidos pelo Estado.
O candidato assumiu esse embuste, sem o qual não teria sido eleito e não teria obtido o apoio do empresariado, dos meios de comunicação, dos evangélicos e de setores populares que obteve. Mas no governo ele se move em meio a essas contradições. Governa com o que de mais podre existe na política, protege seus filhos e outros aliados de escândalos de corrupção, financia os piores meios de comunicação, se comporta como o mais degradado dos presidentes que o país já teve, mente o tempo todo, busca bodes expiatórios para tentar explicar os fracassos dos governos.
Para assumir esse embuste tem, entre outras contradições, que corromper o Congresso e atacá-lo como suposto obstáculo para governar. O conflito atual sobre disposição de recursos do orçamento tem a ver com isso. Quer dispor de mais recursos, enquanto o Congresso não quer abrir mão das suas odiosas prerrogativas de ter recursos para suas emendas parlamentares, com as quais faz suas políticas clientelistas. Os ataques violentos ao Congresso fazem parte da política de bodes expiatórios, porque se o governo não tem recursos é porque abriu mão escandalosamente de tributar as empresas privadas, com a sua concepção de que governar é facilitar a vida aos empresários, que seriam a mola que impulsionaria a economia. Política que deu errado, a economia não cresce, os capitais são canalizados para a especulação financeira e para a fuga do país. É preciso então encontrar bodes expiatórios, que neste caso são o Congresso.
Atacando o Congresso, ele fortalece sua imagem como suposto agente de iniciativas positivas para o país, brecadas por falta de recursos. Mas, ao mesmo tempo, pode perder apoios parlamentares, fundamentais não só para fazer aprovar a agenda neoliberal, como também para protegê-lo de um eventual impeachment. Se enrola assim nas suas próprias contradições, no embuste que ele é.
A oposição tem que retomar inciativa deixar de viver apenas das respostas às iniciativas e às declarações do presidente. As mobilizações que vão de 8 a 18 deste mês são a oportunidade para voltar a protagonizar a oposição a um governo que perde apoios e aumenta sua rejeição na população. O Fora Bolsonaro deveria centralizar essas mobilizações, se a oposição quer se sintonizar e representar a crescente rejeição de Bolsonaro, que faz até crescerem as especulações de impeachment, até mesmo nos meios de comunicação. Senão a oposição democrática será apenas um apêndice dos conflitos dentro da direita.
Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
Fonte: https://www.brasil247.com