O Brasil é um país curioso, cheio de contradições e de belezas culturais. Estamos com altos índices de violência no país, é verdade, devido à situação econômica em que se encontra o nosso povo, principalmente neste governo, o crime da pobreza. Mas, contraditoriamente, no convívio social, o brasileiro, em todas as classes, apesar de suas dificuldades, é um povo alegre, divertido e receptivo, talvez sem par. A cultura e nossos valores dão-nos a identidade do que nos faz.
Bolsonaro cometeu muitos erros, não há dúvidas. São erros na economia, na saúde, na educação, no meio ambiente, nas relações exteriores, amargando níveis de aprovação de seu governo na casa dos 25%, e rejeição pessoal acima dos 60%. O próprio estado da economia, por si, inviabiliza sua jornada eleitoral. Mas um erro importante de ser listado é a tentativa do assassinato da cultura. O brasileiro são dois, o da economia e o da cultura. O brasileiro gosta de rir, em todas as situações. Se a economia não vai bem, sobra a cultura, nas artes, na música, nas novelas, do poeta, do escritor. Desvirtuou as instituições de cultura do país. Ofende e persegue os jornalistas. Desvirtuou o MEC. Ao atentar contra os nossos valores, Bolsonaro esticou a corda além de qualquer limite plausível. Ganhou rejeição cultural.
É atribuído ao reitor da Universidade de Salamanca durante a Guerra Civil Espanhola o dito “abaixo a inteligência, viva a morte”. E é atribuído a Hanns Johst na Alemanha nazista o dito “quando penso em cultura, levo logo minha mão à arma”. Como governo do ressentimento, de quem foi tacitamente excluído do Exército e conviveu com a falta de poesia e a humilhação no baixo clero, a investida contra a cultura caracteriza-se premeditada, no escancaro do poder sobre aqueles que pensam e criam.
Roberto Damatta, em “O que faz do brasil, Brasil!”, o primeiro com b minúsculo, o Brasil da economia e da desigualdade social, e o segundo com B maiúsculo, o de nossa música, nossos encantos e o carnaval, diz-nos sobre os valores que temos. Acabar com o brasileiro econômico, e tentar acabar com o brasileiro cultural ao mesmo tempo, foi um erro crasso. A tentativa do assassinato da cultura selou o seu destino.
Sun Tzu, mestre da estratégia da guerra da China antiga, diz que quando se cerca um inimigo deve-se deixar-lhe uma alternativa de fuga. Não que ele vá fugir, mas para que ele “não lute com a coragem de um leão ferido”. Assim como Maquiavel diz que “não se de humilhar o vencido, porque a humilhação leva ao ódio, e o ódio à vingança”. Cercar a cultura brasileira foi um erro. A cultura brasileira não é afeta, em suas características, ao fascismo.
Ou, no uso livre das palavras de Carlos Drummond de Andrade, “E agora José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou… Sozinho no escuro, você marcha, José! José, para onde?” Não se deve brincar com os valores e a cultura de um povo.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus
Fonte: https://www.metropoles.com