Afinal, o que é o Brasil, hoje? Uma ditadura? Uma democracia? Uma idiocracia? Ninguém sabe ao certo, mas a julgar pelo comportamento
das suas instituições o nosso país se tornou hoje uma grande esculhambação, uma piada internacional. A palavra, embora chula, é a única que define melhor a situação atual do Brasil, onde o cinismo e a hipocrisia estão presentes em todas as atitudes e as principais instituições se politizaram e assumiram posições ideológicas afinadas com a extrema direita, subordinadas a interesses alheios ao povo brasileiro. Parece que estão brincando de autoridades, como se o país fosse uma creche e a população crianças que podem ser enganadas com pirulitos e pipocas. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Tóffoli, por exemplo, que tem caracterizado sua gestão por uma implacável perseguição a Lula, suspendeu todas as investigações sobre o filho do presidente Bolsonaro, o senador Flavio Bolsonaro, e justificou a sua decisão dizendo que “só não quer o controle do Judiciário quem quer Estado fascista e policialesco, que escolhe suas vítimas”, acrescentando que “ao invés de Justiça, querem vingança”. Até parece que ele estava fazendo uma auto-crítica, sobretudo quando afirma: “Não se faz justiça por meio de perseguição e vingança sem o controle do Poder Judiciário”. Ou seja, para se fazer justiça a perseguição e a vingança precisam do controle do Judiciário.
É precisamente isso o que está acontecendo desde o surgimento da Lava-Jato: todas as perseguições ao ex-presidente Lula, incluindo as delações sugeridas, tiveram o controle do então juiz Sergio Moro. O ex-executivo da Odebrecht, Carlos Armando Paschoal, por exemplo, segundo revelaram o The Intercept e a Folha de São Paulo, disse que foi quase coagido pelo Ministério Público para atribuir o sitio de Atibaia a Lula, construindo um relato contra o ex-presidente. Com base ainda nos diálogos vazados do pessoal da força-tarefa, nova reportagem da Folha e do Intercept revela que, quando investigavam a Camargo Correia, Moro avisou aos procuradores que só homologaria as delações dos ex-executivos da empresa presos se a pena proposta incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado para eles. Como é fácil perceber, o ex-juiz e hoje ministro da Justiça “controlou” bem as ações do seu pessoal da Lava-Jato, fazendo precisamente o que Tóffoli defende, o que explicaria o apoio de alguns ministros da Suprema Corte à força-tarefa. Já se sabe hoje, graças á divulgação dos diálogos dos lavajateiros, que, além de Luiz Fux e Edson Fachin, também o ministro Roberto Barroso foi cooptado por eles, após um jantar reservado na residência dele. Não fora os vazamentos e ninguém saberia dos conchavos realizados longe das vistas da população, que garantiram às ações da Lava-Jato o apoio das instâncias superiores da Justiça. Diante disso, não haveria argumento da defesa capaz de obter um voto favorável daquelas instâncias porque a decisão já estava tomada.
Depois das graves revelações feitas pelo The Intercept, em parceria com a Folha e a Veja, muita gente ingênua chegou a acreditar que a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, punisse os procuradores envolvidos, à frente o coordenador Deltan Dallagnol, mas ao contrário do que esperavam, a PGR, após um encontro com seus subordinados, manifestou apoio a eles, o que significa que aprovou as ilegalidades praticadas, incluindo o atropelo das leis e a violação da Constituição. Dodge, que tem revelado surpreendente presteza quando se trata de manter Lula na prisão, provavelmente imaginou que assim agindo estaria garantindo sua indicação para um novo mandato à frente da PGR. Até agora, porém, o presidente Bolsonaro não emitiu nenhum sinal que possa indicar o seu desejo de reconduzi-la ao cargo. Muito pelo contrário, tudo leva a crer que ele já tem um nome para o cargo, que deve revelar no momento oportuno. Enquanto isso as denúncias contra Moro, Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa vão se acumulando, sem que também o Supremo ou o Conselho Nacional de Justiça se manifestem. E o país, que se tornou uma grande esculhambação, assiste perplexo a possível indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente, para embaixador do Brasil em Washington, tendo como principal credencial o fato de ter fritado hambúrgers nas ruas dos Estados Unidos. Se ele chegar mesmo a ser indicado pelo pai, um escancarado nepotismo, tudo indica que será aprovado pelo Senado, pois Bolsonaro já revelou que conversou a respeito com o senador Alcolumbre, presidente da Casa. E o STF, a última fronteira, considerando o seu histórico, também não deverá criar obstáculos.
Percebe-se, sem muita dificuldade, que grande parte da população ainda não digeriu a eleição do capitão Bolsonaro como um acontecimento natural, inclusive tendo dificuldades em assimilá-lo como Presidente da República. Em sete meses de governo o novo mandatário não tomou até agora uma única medida que beneficie a população e o país vai caminhando celeremente para o caos e a recessão, com o desemprego crescente e um PIB anão, fruto de uma desastrosa política neoliberal que recolocou a nação no mapa da fome. Bolsonaro, na verdade, empolgado com o poder que lhe permitiu até humilhar generais, se comporta como um autêntico ditador, convencido de que pode tudo, mesmo consciente de suas limitações intelectuais. “Sei que tem muita gente mais competente do que eu”, reconheceu recentemente, lembrando, porém, que foi ele o eleito e, portanto, “quer você queira ou não, a minha caneta BIC aqui decide o futuro da sua vida”, acrescentou. Ele está tão consciente do seu poder que, irritado com as críticas à indicação do seu filho como embaixador em Washington, afirmou que se quiser demite Ernesto Araujo e nomeia Eduardo Bolsonaro ministro das Relações Exteriores. O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricúpero, depois de criticar as pretensões do Presidente, revelou que Eduardo é dirigente na América do Sul da seita de extremistas norte-americanos criada por Steve Bannon e conhecida naquele país como “Lunatic Fringe”. Bannon, como se sabe, é o sujeito que montou o esquema de fake News que levou Trump e Bolsonaro ao poder.
O fato é que estamos vivendo uma democracia de fachada, para inglês ver, com Bolsonaro agindo como ditador, fazendo não o que é melhor para o povo e o país, mas o que satisfaça o seu desejo pessoal, as suas convicções ideológicas. Agora mesmo, ao transferir o conselho de cinema para Brasilia e vetar a liberação de recursos para filmes que não correspondam às suas expectativas, afirmou: “Eu não posso admitir a liberação de dinheiro público para ativismo...” Só um ditador faria semelhante afirmação, pois independe dos outros poderes para fazer o que deseja. Na situação do Brasil hoje ele sabe que o Congresso e o Supremo estão a reboque do Executivo, não contrariando suas decisões, por isso definiu, indiferente às críticas, indicar o filho para embaixador nos Estados Unidos. E ninguém se surpreenda se, de repente, ele decidir também nomear o outro filho, o Carluxo, ministro da Defesa, pois o vereador já demonstrou que tem força, pois derrubou ministros e até generais. Numa ditadura o presidente pode tudo. O receio, no entanto, de que perca o apoio dos eleitores que o colocaram no Palácio do Planalto, muitos dos quais já não escondem seu arrependimento, pode estar por trás da notícia, divulgada pela revista Veja, de um plano terrorista para assassiná-lo. Essa história fantástica poderia estar na mesma linha da “facada”, que contribuiu decisivamente para a sua eleição. Quem sabe?
Jornalista e escritor
Fonte: https://www.brasil247.com