Se ainda faltava argumento para convencer os senadores a barrar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ele foi dado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira em viagem ao Oriente Médio. Bolsonaro informou ter pedido ao ministro Paulo Guedes, da Economia, que acomodasse um reajuste aos servidores federais na folga fiscal criada pela eventual aprovação da PEC. Foi um ímpeto oportunista, irresponsável e eleitoreiro. A única meta é melhorar suas chances de ser competitivo no pleito de 2022.
Assim como os trabalhadores do setor privado, os funcionários públicos federais veem seus rendimentos ser corroídos pela inflação elevada. Cruciais ao bom funcionamento da máquina estatal, eles têm todo o direito de buscar reposição para o poder de compra dos seus salários. Isso, porém, não significa que a defesa de um reajuste seja, no atual momento, uma pauta justa.
O funcionalismo não perdeu nem nunca temeu perder o emprego ou renda durante os períodos mais incertos da pandemia, ao contrário dos que atuam no mercado de trabalho formal e no informal. Foi poupado da redução de salários e jornadas a que foram submetidos os empregados da iniciativa privada. Por fim, com todo o poder de pressão de que dispõe em Brasília, a mais alta casta do funcionalismo — leia-se juízes, procuradores e militares — conseguiu ser preservada até dos avanços mais tímidos propostos no arremedo de reforma administrativa do governo. Priorizar quem passou financeiramente imune pela recessão do ano passado em detrimento dos milhões de desempregados é, no mínimo, imoral.
A redução nos gastos da União com sua folha de pagamentos é recente e nem de longe satisfaz à necessidade de acomodar o tamanho do Estado à capacidade da sociedade de arcar com seu custo. A reforma administrativa é necessária justamente para garantir uma gestão mais competente, que permita pagar melhor a quem tem melhor desempenho — em vez de assegurar privilégios absurdos para todos. É exatamente isso que significaria um aumento indiscriminado neste momento.
A PEC dos Precatórios não foi apelidada de PEC do Calote à toa. Se aprovada, ela adia o pagamento de dívidas que já foram contestadas pelo governo e sacramentadas pela Justiça. Pior: torna letra morta a regra do teto de gastos, um instrumento usado para limitar a sanha gastadora do governo e assegurar um futuro fiscalmente responsável para o país. Como já tem ficado óbvio, ameaçar furar o teto tem efeitos imediatos, como o aumento das expectativas de inflação, das taxas de juros e a redução das estimativas da atividade econômica no médio prazo.
Incluir mais um gasto fixo (como o aumento do funcionalismo) no espaço fiscal criado pelo furo do teto é o fim da picada. Torna ainda mais evidente a argumentação falaciosa do governo para defender a PEC, cujo pretexto é ajudar os mais pobres com o Auxílio Brasil. A declaração de Bolsonaro no Oriente Médio desmascarou suas intenções puramente eleitoreiras. O presidente quer distribuir regalias aparentemente grátis antes do pleito de 2022, mas a conta por uma tentativa de estelionato eleitoral chegará e será pesada. O Brasil espera que os senadores não compactuem com essa farsa.
Fonte: https://oglobo.globo.com