Recente pesquisa sobre confiança no Judiciário, realizada pela Atlas-Jota, aponta que cerca de 50% dos entrevistados não confiam no trabalho dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O cenário desperta preocupação, mas não surpresa, em face do papel central ocupado pelo tribunal num contexto de forte polarização e turbulência política em que o pais imergiu na última década.
Para que o leitor tenha clareza sobre a clivagem que separa os eleitores brasileiros, basta destacar que 90,4% dos que declaram ter votado em Jair Bolsonaro não confim no Supremo, enquanto 90,5% dos que declararam voto em Lula dizem confiar na corte.
Ao receber a responsabilidade de decidir sobre questões controvertidas de natureza moral, política e mesmo econômica, que os órgãos de representação política não foram capazes de dirimir, tribunais constitucionais assumem os custos políticos dessas decisões, angariando a desconfiança daqueles que se sentiram contrariados pelas suas decisões.
No Brasil, o processo de judicialização da política tem se demonstrado mais agudo que em outras democracias pela conjugação de diversos fatores de ordem institucional e conjuntural: 1) a adoção de uma Constituição ampla, que sobre tudo regulou, criou uma grande área de litigiosidade constitucional; 2) a concentração de competências e a ampliação do acesso ao Supremo transformou-o em para-raio do sistema político; 3) a crescente incapacidade do sistema político de arbitrar conflitos e criar consensos sobre temas relevantes à sociedade tem levado a um processo igualmente crescente de delegação de atribuições politicas ao Supremo; 4) por fim, a criminalização da política, bem como o surgimento de forças anticonstitucionais, tem exigido um protagonismo cada vez maior do Supremo.
O fato de a pesquisa não trazer surpresas não significa que não deva gerar preocupações, até porque o Supremo dificilmente conseguirá cumprir sua missão de guarda da Constituição sem que sua autoridade seja reconhecida. Para que possa salvaguardar os direitos fundamentais de setores vulneráveis ou mesmo anular atos dos demais Poderes que se contraponham à Constituição, o Supremo precisa contar com a confiança tanto da sociedade como dos atores políticos e institucionais.
Como fazer isso num ambiente tão polarizado como o brasileiro? Penso que o primeiro passo seja qualificar o seu processo decisório, reduzindo urgentemente o protagonismo individual de seus membros, interpretando com mais rigor e consistência a Constituição, respeitando seus próprios precedentes, estabilizando sua jurisprudência e criando standards que reduzam a discricionariedade dos membros do tribunal.
O Supremo também precisa formular uma doutrina mais clara de autocontenção em relação aos demais Poderes, bem como às demais instâncias judiciais, sem se omitir de suas responsabilidades. Menos poder pode significar mais autoridade.
Mas não basta, no entanto, ser um tribunal imparcial. É necessário um esforço do colegiado para que o tribunal transmita isso à sociedade. Nesse sentido seria muito importante que os ministros fossem capazes de estabelecer regras de conduta e políticas de comunicação, que organizem sua participação na vida pública. É urgente reduzir os ruídos que afetam a credibilidade do tribunal.
Não podemos esquecer que a democracia continua sob ataque —não apenas no Brasil— e que o Supremo Tribunal Federal demonstrou ser uma trincheira relevante na sua defesa.
Para que possa continuar cumprindo sua missão é essencial que zele pela integridade de suas muralhas.
Oscar Vilhena Vieira, jornalista