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Mudanças para proteção do governo 

O governo Bolsonaro sofreu mudanças estruturais para dar conta de uma nova realidade socioeconômica e institucional. Em comum, note-se, a mesma razão: proteger um Poder Executivo fragilizado.

A primeira foi a montagem de uma base de apoio parlamentar. Na certidão de nascimento dessa aliança, o único compromisso é evitar ameaças de descontinuidade da gestão do presidente Jair Bolsonaro.

Nenhum compromisso programático está combinado e mesmo a agenda de reformas anunciada novamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem aprovação garantida.

Essa nova configuração não pode ser apresentada em números, pois as fileiras dos partidos que compõem o Centrão são fluídas. Mas parlamentares que fazem contas dividem assim a nova configuração da Câmara dos Deputados: ⅓ pertence aos partidos de esquerda, ⅓ à nova base bolsonarista e ⅓ aos parlamentares vinculados ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ).

A segunda mudança diz respeito à Economia. Paulo Guedes escapou da reforma ministerial que atingiu a Saúde e a Justiça, mas precisou ajustar o discurso para incorporar dois novos elementos: um plano de investimentos públicos para ativar a economia no dia seguinte à pandemia e uma sombra para vigiar sua efetividade, o general Braga Netto, da Casa Civil.

O fato é que as promessas econômicas de Guedes já estavam sofrendo problemas de credibilidade antes mesmo da crise de saúde. A face mais visível desse problema é o fato do ministro Rogério Marinho, outrora braço político de Guedes, ter se sentido à vontade para propor um plano econômico alternativo de ativação da economia.

Guedes foi mantido, também, porque é um dos poucos laços que restaram entre Bolsonaro e o sistema internacional, especialmente o financista. Sua saída teria um custo econômico importante dentro de um cenário já difícil.

De todo modo, Guedes não deixará de virar alvo de Bolsonaro se os resultados não aparecerem. O presidente tem clara noção de que a economia é fundamental para o seu futuro e, ao dizer que seu ministro é quem manda no assunto, abriu a janela para responsabilizá-lo por um eventual cenário ruim mais à frente.

Na Saúde, terceira mudança, o ministro Nelson Teich pode começar a sofrer críticas. A percepção que circula em Brasília é que há um cenário de incerteza no ministério da Saúde, ressaltado pelo contraste entre as lideranças exercidas por ele e pelo ex-ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta.

Assim como Teich faz hoje, Mandetta também mostrava não ter ideia precisa de como a epidemia do coronavírus evoluiria. Entretanto, isso não impedia o ex-ministro de tomar decisões, nesse caso, executando os protocolos mais cautelosos da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Teich quer uma resposta sofisticada para a crise. Como médico e gestor privado, quer amparar suas decisões em dados e escrever protocolos de ação baseados em evidências científicas.

Nesse sentido, sua falta de respostas 13 dias depois da posse evidencia que seu antecessor não havia acumulado e nem processado informações suficientes, além de não ter deixado um plano de contingência que Teich pudesse, agora, administrar.

Desenhar uma política para o coronavírus do zero, em meio ao que aparenta ser o pico da pandemia, é muito difícil. Politicamente, será impossível aguardar a coleta de dados porque todo ecossistema de governadores, prefeitos e representantes precisam dar respostas à população agora.

Acrescente-se como variável a inexperiência do ministro com os meandros de Brasília e o receio de contrariar o presidente Jair Bolsonaro, entrando em briga política que o retiraria do jogo em um instante. O resultado é uma aparente indecisão sobre as questões polêmicas recentes.

A presença de militares na assessoria direta do ministro deve alterar bastante esse quadro, pelo menos no que diz respeito à necessidade de tomar decisões mesmo sem dados ou informações em nível ótimo. Se isso não ocorrer, Teich não terá vida longa, porque ficará cada vez mais patente um vácuo de liderança incompatível com a expectativa criada em torno da sua nomeação.

Até por cuidado político, Bolsonaro não deverá permitir que as pessoas sintam muitas saudades de Mandetta que, mesmo que não soubesse o rumo, aparentava como ninguém saber.

Por último, é preciso levar em conta que o trauma deixado pela saída do ex-ministro Sérgio Moro é severo. Além da abertura de inquérito de investigação contra Bolsonaro, deixou uma batalha jurídica e política em torno da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal (PF).

Por essa razão, Bolsonaro decidiu maneirar a aposta. Manteve em um primeiro momento o delegado Alexandre Ramagem (nomeação não efetivada), com quem tem proximidade pessoal, na diretoria-geral da PF, mas nomeou André Mendonça, ex-chefe da Advocacia Geral da União (AGU) como ministro da Justiça, desistindo do nome do secretário-geral da Presidência, Jorge de Oliveira, também seu amigo pessoal.

Hoje, no entanto, nomeou Rolando Alexandre de Souza para a direção da PF, mantendo assim o desenho de proteção que desejava inicialmente. Afinal, o novo diretor da PF era braço direito de Ramagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Trocou seis por meia-dúzia.

Mendonça tem carreira tecnocrata no universo de órgãos jurídicos de Brasília e foi assessor do ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), quando ele chefiou a AGU, entre 2007 e 2009. O novo AGU, José Levi, estava na Procuradoria Geral da Fazenda e foi secretário-executivo do ministério da Justiça (MJ) durante a gestão de Alexandre de Moraes, hoje também ministro do STF.

As escolhas feitas para o MJ e a AGU, portanto, podem ser encaradas como estrategicamente voltadas para melhorar a relação do presidente Bolsonaro com o STF. O fato de Mendonça ter liderado operações de recuperação de ativos desviados por corrupção e ser evangélico são vantagens que Bolsonaro pode explorar, mas que são secundárias face ao desafio de aliviar a pressão do ambiente político e institucional.

Dessa forma, não se pode dizer que Mendonça tenha sido nomeado em função de uma determinada agenda para a condução do MJ, mas, sim, para reduzir a pressão da saída de Moro – de quem, diga-se de passagem, Brasília não acolheu bem – e da escolha de Ramagem, que acabou não se concretizando, e azeitar as relações com o STF.

Deve-se lembrar que a presença de Toffoli vai apenas até setembro. Até lá, Mendonça deve se esforçar para criar pontos com o próximo presidente da Corte, ministro Luiz Fux.


Leonardo Barreto. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) com especialização em comportamento eleitoral e instituições governamentais

Fonte: https://veja.abril.com.br