Não existem mais dúvidas de que os objetivos pretendidos de redução do número de partidos e da fragmentação partidária foram alcançados com as reformas no sistema eleitoral de 2017, notadamente o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais para deputados.
O cientista político Jairo Nicolau demonstra, por exemplo, que, nas eleições de 2022, houve redução significativa do número de partidos que apresentaram candidatos e dos que elegeram representantes para o Legislativo em todos os Estados da Federação. Ele destaca que as legendas que não atingiram o patamar mínimo de votos acabaram ficando de fora do Legislativo, fazendo com que a representação ficasse mais concentrada em um número menor de partidos, diminuindo, assim, a fragmentação partidária em todos os Estados.
Mas o que dizer do comportamento dos parlamentares na arena legislativa? Será que as reformas eleitorais tiveram impacto no padrão de fidelidade partidária dentro do Congresso?
Em estudo ainda preliminar, que estou desenvolvendo com Matheus Cunha (UFPE), identificamos que as reformas de 2017 tiveram um efeito indireto de aumentar a lealdade dos parlamentares aos seus partidos. Elas fortaleceram ainda mais os líderes dos partidos e, consequentemente, a disciplina partidária.
Nosso estudo revela que, quando o comportamento de todos os parlamentares é observado de forma agregada, não há grandes mudanças de fidelidade partidária entre os períodos pré e pós-reforma.
Entretanto, quando testamos o efeito das reformas diferenciando os parlamentares menos fiéis (os que votaram diferentemente da orientação do líder em mais de 50% das vezes) dos mais fiéis, foi possível identificar que a lealdade dos infiéis aumentou em relação aos fiéis, fazendo com que a diferença que existia entre esses dois grupos antes das reformas desaparecesse após as reformas.
Argumentamos que o incremento de fidelidade partidária dos deputados outrora infiéis se deveu à própria diminuição da fragmentação partidária que, fundamentalmente, diminuiu o número de partidos pequenos, os quais, antes da reforma, eram fortemente preferidos por deputados infiéis em virtude da baixa capacidade de impor disciplina. Com a reforma, esses partidos deixaram de existir ou foram obrigados a se fundir.
Ao migrarem para partidos maiores após a reforma, deputados mais infiéis ficaram sujeitos a um comportamento mais disciplinado para ter acesso a espaços de poder e a recursos eleitorais. Quem não migrou não sobreviveu. E quem migrou para sobreviver teve de se comportar de forma mais fiel e disciplinada.
Carlos Pereira, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape) e sênior fellow do Cebri
Fonte: https://www.estadao.com.br/