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Marina, Simone e a frente ampla

Marina, Simone e a frente ampla

União de mulheres tão diferentes em torno de Lula sintetiza necessidade de superar divergências diante de uma sociedade profundamente dividida

Numa campanha marcada por ataques às mulheres e pela mais acentuada divergência de gênero na definição de voto, apontada por analistas de pesquisas como um dos fatores mais importantes na história desta eleição, é muito simbólico que duas mulheres tenham ganhado espaço na reta final do segundo turno e passado a encarnar o simbolismo da frente ampla que a campanha de Lula procurou construir para enfrentar Jair Bolsonaro.

Marina Silva e Simone Tebet têm trajetórias de vida e política em tudo distintas, representam setores em grande parte antagônicos no debate político-econômico e têm em comum o fato de, até há bem pouco tempo, terem carregado divergências profundas com Lula e o PT.

As reiteradas cenas das duas juntas em palanques, em viagens e no corpo a corpo da campanha petista sintetizam em grande medida a ideia de que será preciso compor com diferentes para superar a divisão da sociedade iniciada em 2013 e aprofundada de forma radical nos últimos quatro anos.

Marina foi das primeiras a entoar esse discurso, ainda no primeiro turno. Seu apoio decidido a Lula, mesmo depois de ter sido colocada no moedor de reputações pelo PT em 2014, mesmo depois do trauma de ter se visto obrigada a substituir o companheiro de chapa Eduardo Campos, morto num acidente aéreo, deu a medida da excepcionalidade do momento atual, em que as forças progressistas enxergam verdadeira ameaça de ruptura institucional e democrática em caso de vitória de Bolsonaro.

Tebet vem de uma família tradicional da política e fez carreira num estado, Mato Grosso do Sul, de raiz ruralista, que nos últimos ciclos eleitorais tem escolhido políticos de direita. Apoiou o impeachment de Dilma Rousseff e, embora tenha sido crítica do governo Bolsonaro desde o início em vários aspectos, só foi para a oposição para valer na pandemia.

Seu apoio a Lula poderia ser, dado esse histórico, tão de má vontade quanto o de Ciro Gomes, que ainda não superou a mágoa acumulada durante anos — para a qual tem suas razões objetivas, diga-se — com o lulopetismo. Mas, para surpresa geral, até do comando petista, ela acabou mergulhando na busca por converter votos, não só os próprios, do primeiro turno, mas os de bolsonaristas hesitantes e indecisos.

Arregaçou as mangas e encaixou com precisão o discurso do que significa, no seu entendimento, a necessidade de colocar em banho-maria as divergências em defesa da democracia e dos direitos das mulheres e das minorias. Conseguiu a rara façanha de crescer entre um turno e outro, tanto em consistência de formulação política quanto em presença de palanque, portanto na dimensão que projeta lideranças políticas, em claro contraste com outros políticos homens de centro que trataram de correr para os braços de Bolsonaro, sem ter a dimensão do que o bolsonarismo costuma fazer para esmagar todos aqueles que não são raiz ou não fazem pacto de lealdade cega com o presidente.

A presença de duas mulheres não petistas no centro da frente ampla, com a contribuição de Geraldo Alckmin nos bastidores e na enunciação dos compromissos de ordem econômica, foi crucial para atrair nomes inimagináveis para o apoio a Lula, como o liberal e fundador do Novo João Amoêdo, cuja dissidência ainda deixou mais evidente o caráter de linha auxiliar do bolsonarismo que a sigla das camisetas laranjas adquiriu.

A reiteração de Lula de que é candidato a um mandato só certamente parte da compreensão, da parte dele, da importância simbólica da presença desse núcleo não petista no segundo turno, fornecendo o tal “aceno” que o mercado cobra dele de forma tão enfática, mas não do presidente incumbente, que vem pendurando, com Paulo Guedes, uma série de papagaios eleitoreiros para ser pagos sabe-se lá como por aquele que vencer a eleição no domingo.


Fonte: Blog do Gilvan