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Lira devia apiedar-se da Câmara

Lira devia apiedar-se da Câmara

O deputado Arthur Lira, condestável do Centrão, não tem piedade do governo, mas deveria apiedar-se da Casa que preside. Deve-se a ele, representando um poderoso bloco parlamentar, boa parte do amparo que mantém o deputado Juscelino Filho (União-MA), ou JF, no Ministério das Comunicações.

JF assumiu em janeiro e em poucas semanas tisnou o governo pedindo um jatinho da FAB para ir a compromissos em São Paulo. Recebeu as diárias, até que se viu a natureza de seus compromissos: um leilão de cavalos, onde estava seu quadrúpede Palooza. Refletindo o vigor das primeiras semanas de governo, Lula disse que “se ele não conseguir provar a inocência, ele não pode ficar no governo”. JF devolveu as diárias, o Centrão amparou-o, e assim ficou.

Aqui e ali, parlamentares cometem pecados. JF comete quase todos. Asfaltou uma estrada no município onde a irmã é prefeita, e a obra passa perto de sua fazenda, onde tem pista de pouso e heliponto. Empregou na Câmara dos Deputados seu piloto e o gerente do haras de suas terras. Na última conta, os dois já custaram R$ 1,3 milhão à Viúva. Isso no campo dos interesses pessoais.

No campo administrativo, em nome de um novo governo, o médico JF chegou ao Ministério das Comunicações sem maior qualificação específica. Com a experiência de dois mandatos já exercidos, fez fama como grande articulador no plenário. Foi seu o serviço que elevou a verba do fundo partidário de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões. Se for o caso, sua voz é ouvida na franciscana Codevasf.

Feito ministro, JF transformou o secretário de Radiodifusão da gestão anterior em secretário de Telecomunicações. O chefe do Departamento de Política Setorial virou secretário de Comunicação Social Eletrônica.

Em menos de seis meses, JF fez uma a cada seis semanas. A última foi revelada pelos repórteres Julia Affonso e Vinícius Valfré: seu sogro, o empresário Fernando Fialho, trata de assuntos da pasta no gabinete do ministro JF. Pelo menos esse foi o caso de um cidadão que foi a ele para tratar da “expansão da conectividade” pela internet.

Exposto o caso, Fialho declarou-se “consultor informal” do genro. Para piorar, o ministério, onde trabalham servidores públicos, ratificou a informalidade da consultoria e exaltou as “qualificações profissionais — técnicas e acadêmicas” do doutor Fialho.

Ex-secretário de Desenvolvimento Social e Agricultura Familiar do governo do Maranhão, Fialho é réu num processo em que o Ministério Público o acusa de ter malversado R$ 4,9 milhões num convênio. Ele diz que está “certo da (própria) inocência e com confiança total na Justiça”.

Desde o descalabro do orçamento secreto, a Câmara dos Deputados passa por um período de inédito desgaste. Emendas de parlamentares, uma legítima prerrogativa dos congressistas, tornaram-se sinônimo de maracutaia.

É de um veterano parlamentar a observação de que “aqui neste plenário tem de tudo, menos bobo”. Quando o falecido José Bonifácio (1904-1986) deu essa lição, conhecia deputados que empregavam o sogro, os genros e os cunhados, até pilotos, mas Zezinho, como não gostava de ser chamado, jamais imaginou ministro emprestando gabinete ao sogro.


Elio Gaspari, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/