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Inteligência artificial desafia a democracia

Milésimos de segundos se passaram até que começasse a responder à provocação: como a inteligência artificial pode influenciar eleições? A pergunta, ampla e complexa, merecia uma réplica também abrangente. E ela veio em 350 palavras, contemplando aspectos éticos, legais e políticos.

Sem rodeios, logo registrou que essa interferência pode ser tanto positiva quanto negativa. Por esse motivo deve-se regulamentar o setor, destacou, ao concluir. Mas, antes se deteve na explicação de como essa tal inteligência artificial tende a ser utilizada nas próximas campanhas eleitorais.

Em primeiro lugar, elencou, ela pode ser uma ferramenta para analisar grandes volumes de dados eleitorais, entre eles pesquisas de opinião, fatores demográficos e históricos. “Isso pode ajudar os partidos políticos a identificar tendências, compreender o comportamento do eleitorado e ajustar suas estratégias de campanha com base nessas informações”.

Outra frente tende a ser a busca pela maximização do impacto da comunicação por políticos e partidos, que teriam como personalizar mensagens e peças de propaganda. “Com base nas análises de dados”, explicou, “a IA [inteligência artificial] pode ajudar a segmentar os eleitores em grupos específicos com base em características demográficas, preferências políticas e interesses”.

Nesse mesmo sentido, algoritmos poderão dar mais precisão e rapidez à análise de dados de campanhas publicitárias anteriores, com o objetivo de identificar padrões de desempenho e fazer recomendações sobre os melhores canais de comunicação, momentos ideais para a exibição de anúncios e segmentos de público-alvo mais relevantes.

O uso de inteligência artificial, por outro lado, envolve riscos que não devem ser desprezados por aqueles que defendem a democracia e estão comprometidos com o combate à manipulação da população. “Embora seja uma preocupação ética, a IA também pode ser usada para manipular a opinião pública. Por exemplo, é possível usar ‘bots’ de mídia social alimentados por IA para espalhar propaganda política, criar contas falsas para amplificar certas mensagens ou até mesmo influenciar a percepção das pessoas por meio de ‘deepfakes’, que são vídeos falsos criados com IA”, reconheceu. Um perigo.

Em contrapartida, em sua resposta ponderou que essa mesma inteligência artificial pode também ser empregada para detectar e rastrear a propagação de informações falsas na internet. “É importante destacar que a influência da IA nas eleições depende do seu uso pelos atores envolvidos. Portanto, é fundamental estabelecer regulamentações adequadas e mecanismos de supervisão para garantir que a IA seja utilizada de maneira ética e transparente durante o processo eleitoral”, destacou.

Este é um ponto crucial. Congresso e governo deveriam acelerar as discussões sobre o assunto, sem, é claro, deixar de fazê-lo de forma aprofundada. Afinal, em pouco tempo as eleições municipais de 2024 dominarão a agenda dos partidos políticos.

Preocupação semelhante pode ser observada na União Europeia, onde avançam discussões de um projeto de regulamentação. Nos Estados Unidos, também há o debate sobre como a inteligência artificial impactará o pleito presidencial do ano que vem.

No Brasil, a Câmara saiu na frente e aprovou um projeto sobre o assunto meses atrás. Citando seus dez artigos, críticos do texto o consideram muito enxuto e genérico. Mas os deputados poderão retomar em breve a análise do tema, se o Senado der a devida prioridade às propostas que lá tramitam.

A mais nova delas é de autoria do próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Já nas suas primeiras linhas a proposição destaca a importância do “uso responsável” da tecnologia, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico.

Em outro trecho do projeto de Pacheco, busca-se assegurar às pessoas afetadas o direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial, assim como o direito à explicação sobre decisões, recomendações ou previsões feitas pelas máquinas.

Em recente artigo publicado na revista “The Economist”, aliás, o pensador Yuval Noah Harari aponta uma preocupação que vai nesse sentido. Segundo ele, se você está conversando com alguém e não consegue dizer se o interlocutor é um humano ou uma inteligência artificial, “este é o fim da democracia”.

A pergunta inicial sobre como a inteligência artificial pode influenciar eleições foi feita ao ChatGPT, o software de IA mais famoso do mundo. O ser humano que a enviou estava completamente ciente de que abria diálogo com um programa de computador, e a resposta apresentada pela máquina até passou a impressão de ser ponderada - inclusive em relação aos alertas sobre possíveis riscos que a tecnologia representa e à necessidade de aprovação de uma regulamentação. Mas este desfecho pode não ser a regra em um futuro não tão distante.

Fernando Exman, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com/