Referindo-se aos conflitos entre o Congresso e o Executivo, situação que faz parte do cotidiano das democracias desde as revoltas contra Henrique III no nascimento do parlamentarismo inglês, no século XIII, Augusto Heleno fez uma sugestão tenebrosa.
“Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, disse, aconselhando o presidente “a convocar o povo às ruas” em vez de negociar “uma rendição”, como definiu as tratativas do Planalto com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre.
Conselhos desastrados e colocações impróprias do ponto de vista da democracia são um traço marcante no governo Bolsonaro em geral e de Augusto Heleno em particular.
Como dias atrás recordou o jornalista Roldão Arruda, no texto “O General e o Papa”, Heleno definiu o encontro de Lula e Francisco como “um exemplo de solidariedade a malfeitores, tão a gosto dos esquerdistas”.
Também classificou Thays Oyama, autora de “Terremoto,” um apanhado competente sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro, como uma “jornalista medíocre”. E por aí vai.
O caso aqui é de outra natureza. Sabemos que as opiniões de um ministro militar -- muito menos no governo Bolsonaro -- jamais devem ser encaradas como manifestações inofensivas, como se traduzissem a opinião de um crítico de arte numa exposição sobre o cubismo em 1930. O simples bom senso leva a reconhecer uma intenção oculta no jogo permanente de pressões e contrapressões subterrâneas da conjuntura do país.
Mesmo admitindo que todo cidadão tem o direito legítimo de manifestar uma opinião, um ministro de Estado não tem direito a manifestar opiniões ilegítimas, em desacordo com o conjunto de leis em vigor no país. Este é o caso do general Augusto Heleno.
Responsável pela máquina secreta de informações que trabalha dia e noite para o governo, numa atividade que a sociedade brasileira não controla nem sabe como funciona, mas tem um histórico conhecido de tragédias e desastres acumulados, o conselho a Bolsonaro não foi um palpite numa mesa de bar.
Num país onde o artigo 2 da Constituição define que Legislativo, Executivo e Judiciário são “poderes harmônicos e independentes entre si”, a proposta foi um “foda-se” dirigido ao Estado Democrático de Direito. Não se pode aceitar que um cidadão com esta visão esteja a frente de um instrumento tão poderoso para prejudicar o Brasil e os brasileiros. É fácil enxergar aonde ele quer chegar.
Alguma dúvida?
Paulo Moreira Leite, jornalista
Fonte: https://www.brasil247.com