Jair Bolsonaro concedeu indulto ao deputado federal Daniel Silveira um dia depois de o Supremo Tribunal Federal tê-lo condenado, por dez votos a um, a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado e à perda de mandato e dos direitos políticos. O presidente anunciou a decisão na famigerada live das quintas-feiras e editou o decreto com o perdão em seguida, numa edição extra do Diário Oficial da União.
Sim, o indulto pessoal, ou graça, é uma previsão constitucional. Não, Bolsonaro não está pensando nisso, e sim em insultar, desta vez de forma frontal, o Judiciário. Está conclamando seus seguidores à guerra, e a batalha final todos sabem qual é: a eleição.
As primeiras reações colhidas junto a ministros do STF foram de cautela. “Vamos analisar”, repetiram três deles. Também ressaltaram que a graça é uma previsão legal e que o perdão à pena de prisão, segundo a súmula 631 do STJ, extingue “os efeitos primários da condenação, mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”. Ou seja: cassação de mandato e inelegibilidade permaneceriam.
Isso é o de menos diante do quadro desenhado. Tanto Bolsonaro quanto Silveira já estão usando o indulto como demonstração de força do presidente perante o Judiciário. Bolsonaro seria “quem manda” ou quem “fala por último”, nas louvações desencadeadas nas redes sociais após o anúncio do perdão. Isso quando o decreto do capitão não é travestido de Justiça divina, porque o grau de fanatismo nas hostes bolsonaristas só aumenta quanto mais se aproxima o pleito.
Se os representantes das instituições anuírem ao indulto que é, na verdade, uma afronta a uma decisão praticamente unânime do STF, qual o limite para a escalada de Bolsonaro em usar prerrogativas do cargo para desrespeitar os demais Poderes?
Sempre haverá um mecanismo legal à mão de um protoditador disposto a minar a democracia por dentro. Desde o primeiro dia de seu mandato, com uma chuva de decretos, Bolsonaro deixou claro que não respeitaria limites em nenhuma área da vida nacional.
A jurista Eloísa Machado, da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, pesquisadora sobre o STF, lembrou que cabe ao próprio Supremo o controle judicial sobre o indulto, inclusive sobre sua razoabilidade. Ela lembrou que o próprio Alexandre de Moraes, relator do processo contra Silveira, também relatou a súmula que trata disso e elencou situações que ferem essa razoabilidade. Outros juristas salientam que seria inconstitucional conceder perdão antes da condenação transitada em julgado.
É necessário que a resposta do Supremo seja tão célere quanto a canetada de Bolsonaro. O “vamos analisar” não pode ser uma ação de semanas, porque a escalada do presidente em confrontar abertamente o Judiciário já alcançou muitos picos que foram tolerados e amaciados à base de cartinhas mentirosas de desculpas.
E se Dilma Rousseff, em 2012, tivesse publicado um decreto perdoando as penas de José Dirceu, José Genoino e outros petistas no dia seguinte ao julgamento do mensalão, como reagiria a sociedade? E como reagiriam os ministros do STF? Não é falso paralelismo, pois se trata de situação idêntica: perdão a aliado político em seguida a um julgamento do plenário da mais alta Corte do Brasil.
Bolsonaro não está nem aí para Silveira. Usa o aliado como estandarte de sua guerra ao Judiciário, que mira o não reconhecimento do resultado da eleição daqui a alguns meses.
Ou os representantes das instituições entendem de uma vez por todas a tempestade que está se armando há tempos ou terão de tentar tirar os invasores quando eles já estiverem no nosso “capitólio”, seja ele qual for. E ainda sem saber se contarão com as Forças Armadas ou não, já que os limites foram há muito tempo violados.
Vera Magalhães é jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993