..::data e hora::.. 00:00:00

Artigos

Incertezas brasileiras podem afastar investidores 

As noites claras do outono de Brasília são um convite a quem gosta de ler o futuro pela posição das estrelas. Na capital federal, há quem veja no céu um roteiro para superar a tríplice crise sanitária, política e econômica. E esse roteiro passa pela atração em grande escala de capitais privados, especialmente internacionais, para movimentar a economia e aliviar a tensão política logo depois do tão esperado recuo da pandemia.

Assim que o vírus deixe de se espalhar com a mesma velocidade, a agenda das reformas econômicas voltaria a ser prioridade no Congresso Nacional. Com elas retornaria ao cenário a agenda positiva. Voltaria com ela a confiança dos investidores. E o crescimento econômico seria consequência natural, abrindo espaço a sonhos eleitorais em 2022.

Um rápido olhar para o cenário internacional nesta segunda quinzena de junho, porém, indica que o roteiro precisa ser revisto. O caminho até 2022 promete ser cheio de desafios. Para começar, ainda é incerto o destino da pandemia. Enquanto a Europa começa timidamente a reabrir suas fronteiras, a China se preocupa com o surgimento de novos casos de Covid 19.

A incerteza no campo da saúde pode rapidamente contagiar o cenário econômico. A possibilidade, ainda que remota, de uma segunda onda da pandemia, após a constatação de novos casos onde tudo começou, já teve efeitos no mercado. A Bolsa de Nova York experimentou mais uma queda na manhã de segunda-feira.

O temor dos investidores não se deve apenas aos novos casos na China. O número de casos ainda está se acelerando em 22 estados americanos, embora recue em outros 20 estados e permaneça estável em oito. Ou seja, a retomada da economia norte-americana pode demorar mais do que o previsto, devido à persistência da pandemia.

Notícias do Sul

Os investidores têm motivos para se preocupar com o quadro da saúde nos Estados Unidos, país onde foi registrado até o momento o maior número de mortes em decorrência do coronavírus. Mas eles também estão atentos para o cenário em países como o Brasil, segundo colocado no número de mortes.

As notícias que chegam a eles sobre o Brasil são preocupantes. Sob a ótica de jornalistas que trabalham nas publicações que mais exercem influência no mundo dos investimentos, o grande país da América do Sul, um dos maiores destinos de investimentos diretos ao longo dos últimos anos, parece desorientado diante dos desafios que enfrenta.

Nas últimas semanas, o Brasil deixou de estar apenas na seção de notícias internacionais para frequentar, com certa assiduidade, as colunas de opinião dessas grandes publicações. Entre os leitores dessas publicações, vale lembrar, estão os executivos de grandes empresas ou fundos de investimento responsáveis por indicar para que países o dinheiro deve fluir, quando a economia voltar a reagir.

Entre as publicações mais influentes do mundo ocidental, o The New York Times foi o primeiro a abrir espaço neste mês para o Brasil em sua seção de opinião. Artigo assinado por Miguel Lago e Alessandra Orofino, co-fundadores da organização Nossas, alerta que não se deve olhar para o presidente brasileiro como alguém exótico. “Bolsonaro é bizarro, mas sabe o que está fazendo”, sugere o título do artigo.

Quando o texto foi publicado, no início de junho, o Brasil já tinha mais de 30 mil mortos por causa da Covid 19. Os hospitais estavam cheios, e a economia diante do “precipício do desastre”. Ainda assim, o presidente brasileiro vivia “em outra realidade”. Segundo os autores, Jair Bolsonaro não quer ser visto como alguém que está no comando da situação. O presidente prefere, prosseguem os autores, se fazer de vítima e dizer que é um lobo solitário lutando contra o poderoso establishment, para entusiasmar a sua base de apoiadores. “Ele é talvez o único homem forte do mundo que gosta de projetar imagem de fraqueza, não de força”, definem.

Democracia

Quatro dias depois, foi a vez de o jornal londrino Financial Times, leitura obrigatória para os investidores internacionais, alertar para outro risco diante do Brasil, além da pandemia. O editorial do jornal demonstra preocupação com a estabilidade política do país: “Jair Bolsonaro desperta temor pela democracia brasileira”.

Segundo o editorial, as instituições fortalecidas pela Constituição de 1988, como o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e a própria imprensa livre “atraem a ira” de Bolsonaro. E haveria, na avaliação do jornal, “muita preocupação” no país com a possibilidade de o presidente criar uma crise entre os três Poderes para justificar uma intervenção militar.

“Seus índices de votação em queda e problemas crescentes com a pandemia de coronavírus estão prejudicando suas chances de reeleição”, observa o editorial do Financial Times. “As esperanças de reforma se evaporaram e há grande saída de capital do país. Os riscos da maior democracia da América Latina são reais e estão crescendo”, conclui o jornal.

Ameaça

Na semana seguinte, foi a vez de a revista inglesa The Economist perguntar se Bolsonaro representa uma ameaça à democracia brasileira. Em artigo publicado na seção dedicada às Américas, a revista observa que, depois de 28 anos como deputado federal, o presidente “nunca demonstrou muito respeito pela democracia”. E que ele se tornou mais adepto do confronto nas últimas semanas.

O primeiro motivo, segundo a revista, seria a investigação pelo Poder Judiciário de alegada interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. O segundo seria a sua “pouca habilidade para governar”, ilustrada pela grande expansão no país da pandemia do coronavírus. “É um sinal de fraqueza que ele confie cada vez mais nos militares”, prossegue o artigo. Mesmo assim, de acordo com o texto, o presidente não estaria “suficientemente forte” para tentar promover um golpe de Estado.

Os leitores do artigo, espalhados pelos centros decisórios das finanças e da política nas principais capitais do mundo, julgarão. Mas a simples dúvida a respeito do destino da democracia brasileira deixa clara a atual percepção internacional sobre a situação do país. Percepção que se estende a temas como os resultados do combate à pandemia e os pouco promissores indicadores econômicos.

Se o governo brasileiro pretende ter no retorno dos capitais estrangeiros um dos pilares de sua retomada econômica após a pandemia, vai precisar levar em conta as interrogações que se multiplicam rapidamente entre os que acompanham de perto o cenário político e econômico do país.


Marcos Magalhães, Jornalista 

Fonte: https://veja.abril.com.br