Financiamento é um fator essencial para a vitalidade dos negócios, o aumento da competitividade, o crescimento econômico e a criação de empregos. Recursos insuficientes, custos elevados e prazos inadequados inviabilizam projetos de investimento e dificultam o acesso das empresas ao capital de giro, necessário para suas operações no dia a dia. O estabelecimento de boas condições de crédito ganha ainda mais importância em um cenário como o que o Brasil vive hoje, de lenta recuperação após uma profunda recessão.
Entre os fatores que determinam a competitividade das nossas empresas, o acesso e o custo do capital costumam estar entre os de pior desempenho nas avaliações. O Brasil ocupa a última posição nesses dois itens no ranking de 18 países do estudo “Competitividade Brasil 2018-2019”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os juros nos financiamentos permanecem muito elevados, apesar da queda da Selic. Um dos motivos é que o custo de captação é apenas um dos elementos que compõem a taxa final das operações de crédito.
Os bancos do país levam em média 4 anos entre o pedido de recuperação de dívidas até a quitação de parte do dinheiro devido
O Brasil tem o segundo maior spread bancário (diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a que cobram do tomador final) do mundo, de 32%, atrás apenas de Madagascar (43%), segundo o relatório Doing Business do Banco Mundial deste ano. O país também ocupa também as piores posições no fator recuperação judicial de crédito, o que influencia o tamanho dos spreads. A taxa de recuperação no Brasil é de apenas 14%. No Japão, por exemplo, o nível fica em 92%. Nos Estados Unidos é de 82% e no Chile, de 42%.
Para destravar o crédito no país, é preciso enfrentar desafios que vão além da redução da taxa básica de juros (Selic), que atingiu o menor nível histórico, em 5%, com perspectiva de novo corte na última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), em dezembro. Será inevitável, por exemplo, baixar o spread e ampliar os mecanismos de garantias, além de rever a legislação de falência e recuperação judicial das empresas.
Algumas soluções para a redução do spread foram apresentadas, em 2018, pelo então senador Armando Monteiro Neto, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. As recomendações não seguem a direção de políticas impositivas, como fixação de preços ou limites para juros e prazos de operação em meios de pagamentos, como o cartão de crédito. Ao contrário, passam pela criação de instrumentos que estimulem a entrada de novos participantes no mercado de crédito, pela eliminação de práticas anticompetitivas e de outras barreiras à competição, sejam elas regulatórias ou de caráter legal, e pela adoção de medidas que contribuam para a redução do risco da contratação.
O aumento da concorrência no mercado financeiro é indispensável para aperfeiçoar o sistema de crédito. Hoje, há uma alta concentração do crédito bancário em poucas instituições - segundo relatório do BC, os cinco maiores bancos do país detêm 85% do estoque. Esse quadro facilita margens de lucros maiores, com impacto relevante no spread. Precisamos diversificar os meios de financiamento e de serviços financeiros, como as fintechs, além de incentivar o segmento de capitais.
Existe um significativo espaço para o aperfeiçoamento dos instrumentos do mercado de capitais, fomentando o nicho de dívidas corporativas, com certificados de recebíveis e debêntures incentivadas em infraestrutura e em projetos industriais, por exemplo. Desse modo, é possível obter recursos dos fundos de pensão e de investidores estrangeiros mais facilmente. Também se deve estimular a expansão do mercado secundário de títulos privados e a securitização de recebíveis - o que aumentaria a oferta de crédito.
São necessárias, ainda, ações que visem reduzir a percepção de risco dos bancos, contribuindo para baratear os custos dos empréstimos e aumentar o acesso aos recursos por parte das empresas. Exemplos de mecanismos voltados à redução do risco de contratação são a utilização do Cadastro Positivo, a implementação do open banking (compartilhamento de informações entre instituições de crédito) e a reavaliação do atual sistema de recuperação de ativos.
Com a instituição do Cadastro Positivo, criado pela Lei Complementar nº 166/2019, o consumidor passa a ter uma nota de crédito atrelada à pontualidade de seus pagamentos. Isso permite que as instituições financeiras mantenham um perfil do contratante com vistas à redução das taxas de juros e a melhores condições de financiamento para quem for bem avaliado. Também é preciso regulamentar o Sistema Nacional de Garantias de Crédito, a fim de ampliar o acesso aos recursos, em especial por pequenas e médias empresas.
A redução do risco considera a retomada de créditos, que, no Brasil, é demorada. Os bancos que operam no país levam, em média, 4 anos entre o pedido de recuperação de dívidas da empresa até o pagamento de ao menos parte do dinheiro devido. Esse tempo é muito superior à média de outros países, como Japão (7 meses), Estados Unidos (1 ano) e China (1,7 ano). Antes da Lei nº 11.101/2005, que regulamentou a falência e as recuperações judicial extrajudicial, os procedimentos consumiam, em média, 10 anos. Diante dessa realidade, é crucial reduzir a insegurança jurídica na execução de garantias aos empréstimos, com a revisão da legislação atual.
Não se pode esquecer de ações mais tradicionais no repertório das medidas para incentivar o crédito, como a possibilidade de redução das alíquotas do compulsório dos bancos ao BC. Mesmo após as alterações nas regras do recolhimento sobre recursos a prazo feitas pela autoridade monetária neste ano, as alíquotas brasileiras seguem entre as maiores do mundo. O efeito disso é a diminuição da oferta de recursos e o aumento do custo do capital ao tomador final.
O atual governo entende que é imprescindível dinamizar a oferta de crédito no país, tanto que está apresentando medidas para ampliar os programas de microcrédito. De fato, muito pode ser feito nessa área, como a criação de fundos garantidores nos empréstimos de micro e pequenas empresas e o aumento do alcance das empresas simples de crédito (ESC) e de sociedades de empréstimo entre pessoas (SEP).
Todas essas recomendações têm um forte potencial para elevar o volume de crédito no Brasil, que hoje equivale a 47% do Produto Interno Bruto (PIB), um desempenho muito inferior à média internacional, de 130% do PIB, segundo relatório do Banco Mundial.
Importante ressaltar que o Brasil não vai melhorar essa situação com uma medida única. Para viabilizar o aumento da oferta de recursos e a queda dos custos dos financiamentos, será necessária a associação de iniciativas como essas - em especial as que têm o objetivo de elevar o grau de concorrência no mercado financeiro - ao novo ciclo de redução da taxa básica de juros. Esse quadro positivo será fundamental para impulsionar os investimentos privados e o crescimento econômico sustentado, promovendo uma recuperação mais firme do emprego e da renda, que os brasileiros tanto anseiam.
* Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
O artigo foi publicado no jornal Valor Econômico nesta quinta (5).