As investigações dirão se Alexandre de Moraes, do STF, acertou ao ordenar operações de busca e apreensão contra empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado no Whatsapp. Se a Polícia Federal encontrar indícios de que eles se organizaram para promover uma mudança ilegal de regime político, aí é processo e cana neles. Mas se eles apenas manifestaram hostilidade em relação à democracia, sem envolver-se em planejamento ou ações para derrubá-la, penso que isso não deve ser considerando um delito, mesmo tratando-se de bolsonaristas.
Meu ponto é que a lei pode e deve exigir que ninguém se envolva com sedições, mas não pode obrigar as pessoas a apoiarem a democracia. E quem não gosta dessa forma de governo deve ter o direito de dizê-lo. Uma interpretação muito rigorosa das leis de defesa do Estado silenciaria várias correntes de pensamento.
Os primeiros a ver-se em dificuldades seriam os comunistas raiz. A doutrina marxista não só denuncia a democracia burguesa como uma farsa como ainda defende a ditadura do proletariado. Os anarquistas passariam por apuros semelhantes, por advogar pela supressão do Estado. Até platônicos militantes, no pressuposto de que existam, poderiam parar no xilindró, já que classificam a democracia como uma das piores formas de governo.
Minha impressão é que os alemães avançaram mais do que deveriam ao criar o conceito de democracia militante (“streitbare Demokratie”), que autoriza o poder público a pôr a defesa da ordem constituída acima de vários direitos. Fizeram-no, vale lembrar, no contexto da desnazificação. Mas penso que é possível proteger o Estado sem restringir tanto as liberdades, utilizando os preparativos para uma ação como critério de separação entre o que é lícito e o que não é.
Esses bolsonaristas obviamente só dizem besteiras, mas a democracia tende a beneficiar-se de críticas bem-feitas, que engendrem aperfeiçoamentos.
Hélio Schwartsman, jornalista