A qualificação “de coalizão” em presidencialismo remete a multipartidarismo. O qual, por sua vez, é produto da adoção da representação proporcional. Seu primeiro impacto no país foi sentido nas eleições de 1945. Gerou espanto.
O presidente Dutra reagiu ao “paradoxo de as mesmas eleições originarem Executivos e Legislativos de diferentes parcialidades”. Uma “anomalia” que ele julgava poder ser eliminada com uma “cuidadosa lei eleitoral”.
Afonso Arinos, pelo contrário, saudou seus efeitos: eram precisamente os objetivos antecipados e miravam o hiperpresidencialismo da República Velha. Câmaras unânimes aos poucos desapareciam. O presidente agora tinha de “barganhar para formar maioria”, como mostrei aqui. Trinta anos mais tarde, Sérgio Abranches definirá com rigor analítico nossa variedade de presidencialismo.
Partidos diferentes ocupando o Executivo e Legislativo decorrem de suas bases eleitorais serem diferentes, e a estrutura de incentivos com que se deparam, radicalmente distinta. Para os deputados, a sobrevivência política é função dos recursos que alimentam redes locais via ministérios, cargos nos segundo escalão e emendas orçamentárias. Para o presidente, ela é nacional e de outra natureza: ele (a) é punido (a) ou premiado (a) por desempenho econômico e políticas redistributivas.
O que garante o alinhamento entre incentivos díspares? Os partidos. No parlamentarismo, com siglas fortes e disciplinadas, a sobrevivência do governo confunde-se com a do parlamentar individual. Sob o presidencialismo multipartidário com partidos não programáticos, o alinhamento não é orgânico: assenta-se na partilha, pelo Executivo, do fluxo de benefícios localistas, ministérios e cargos. Há espaço para ganhos de troca, embora o resultado social líquido seja marcado por grande ineficiência alocativa. E pode degenerar em confrontos e comportamento predatório em função do estilo de gerenciamento e da distribuição de preferências políticas entre os atores.
O equilíbrio da Nova República exibia um padrão assimétrico, “Executivo forte e Legislativo fraco”, mas vem sofrendo transformações devido à perda de poderes orçamentários do Executivo, o fortalecimento dos partidos (pelo fundo de campanha e menor fragmentação) e o novo protagonismo do STF.
O enfraquecimento do Executivo tem consequências sistêmicas, porque o presidente e seu partido são os únicos atores que têm incentivos (que podem estar, obviamente, baseados em crenças infundadas) para internalizar as consequências do mau desempenho global do governo, sobretudo na área fiscal. Quanto maior e mais heterogênea a coalizão, menor a coesão e o grau de comprometimento dos partidos com o governo.
Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).