A discussão da reforma tributária chegou àquele ponto em que se assemelha a uma partida de duração avançada daqueles jogos de tabuleiro de guerra quando um jogador tem de destruir os exércitos dos outros. Depois de muitas rodadas, todo mundo já fortaleceu demais suas guarnições, e qualquer avanço se torna difícil de prever, por depender de um misto de sorte e estratégia.
Vencidos alguns oponentes mais fracos, restam na disputa Arthur Lira, com os tanques do Centrão, o governo, que tenta esconder o jogo, e a oposição, que nas rodadas mais recentes levou a melhor nos dados e avança pelo mapa depois de ser bastante desacreditada. Parecia que a batalha se resolveria logo, mas agora periga avançar indefinidamente.
A entrada de São Paulo no jogo foi um fator a mudar os prognósticos. Tarcísio de Freitas demorou a se posicionar em relação aos principais pontos, mas, quando se posicionou, conseguiu juntar os governadores do Sudeste e do Sul em algumas reivindicações e na resistência ao Conselho Federativo nos moldes em que tinha sido desenhado. De quebra, vem conseguindo transformar a discussão da reforma justamente naquilo que o Executivo tentou evitar: uma disputa entre governo e oposição.
Fernando Haddad optou por concentrar esforços na defesa do novo arcabouço fiscal e deixar a reforma tributária como projeto do Congresso que contava com o entusiasmo do governo. Isso para evitar justamente o que começou a acontecer nesta semana: que os partidos bolsonaristas subissem o tom contra a Proposta de Emenda à Constituição.
Lira também encampou essa estratégia, numa daquelas alianças circunstanciais que os citados jogos de tabuleiro suscitam. Para ele, interessava capitanear a articulação da reforma, tema capaz de dar à sua passagem pela presidência da Câmara uma dimensão maior que o orçamento secreto e seus desdobramentos mais recentes, entre eles o inquérito para apurar desvios de recursos na compra de kits de robótica por prefeituras de Alagoas, envolvendo aliados seus e se aproximando perigosamente dele.
A ascendência de Lira sobre o plenário e as bancadas de vários partidos — comprovada em vários rounds recentes, da aprovação da PEC da Transição à do Marco Fiscal, passando por derrotas impostas ao governo em questões como a tentativa de rever o Marco do Saneamento — era considerada fator-chave para levar a reforma tributária da categoria de tema para o qual era impossível de chegar a um consenso a possibilidade concreta.
Como, no Brasil, as coisas geralmente se definem perto do prazo final, a semana decisiva para a aprovação da PEC se transformou naquela em que a imprevisibilidade voltou a ser a tônica, e a possibilidade de novo adiamento sine die é grande. A questão federativa suplantou as resistências de setores da economia à unificação de tributos sobre o consumo e a ainda temida alíquota que incidirá sobre cada um.
A proposta de criar um conselho, com regras não totalmente nítidas, para centralizar e depois distribuir a arrecadação do novo tributo sobre consumo virou o pomo da discórdia, e só uma revisão radical de seu desenho parece ser capaz de evitar que a reforma empaque de novo.
A entrada em cena de Tarcísio como articulador de um tema nacional acontece exatamente no momento em que seu mentor, Jair Bolsonaro, é retirado do mesmo tabuleiro político pela Justiça Eleitoral até 2030.
De olho na rapidez com que seu espólio vai sendo dividido no jogo, o ex-presidente tratou de se fazer presente também na discussão da reforma, mas é evidente que terá menos peso que aquele que será exercido por seu ex-ministro de Infraestrutura e pelos demais governadores.
Para Lula, a hora de disputar votos — agora no plenário da Câmara — com uma direita em momento de reorganização de tropas chegou antes do desejado. Seu trunfo será, de novo, depender da aliança com Lira.
Vera Magalhães, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/