Bolsonaro terminou o primeiro ano de mandato com um desgaste crescente, pela frustração com promessas de campanha. A economia passava da recessão à depressão, o desemprego chegava a 12 milhões, enquanto a precariedade mantinha 38 milhões de brasileiros numa situação de absoluta fragilidade para poder sobreviver.
O segundo ano era projetado como o de uma continuação e aprofundamento do desgaste da imagem do governo. Não foi o que aconteceu. Por condições muito específicas, Bolsonaro sobreviveu ao segundo ano do seu mandato.
A economia seguiu em depressão, a precariedade e o desemprego atingiram mais gente, além dos efeitos da pandemia. Mas Bolsonaro conseguiu tirar dessas condições elementos para sua sobrevivência. Jogou a responsabilidade da depressão econômica e do desemprego nas costas de quem pregava o isolamento social para se defender da pandemia.
Mas para que essa postura fosse possível, teve que contar com a quarentena. No início algumas manifestações seguiram expressando sua rejeição, especialmente as das torcidas de futebol nos fins de semana. Depois a reação popular foi se retraindo de manifestações públicas, até mesmo os panelaços foram desaparecendo.
O auxílio emergencial compensou a perda de apoios em setores da classe média e na mídia, para recompor a base social de apoio do governo, com setores mais pobres, para os quais esse auxílio foi a boia de salvação para sobreviverem, quando a situação de precariedade passou a atingir mais da metade da população.
A base de apoio político, quando se desfez a máscara de luta contra a corrupção, com a saída do Moro, com a aliança com o Centrão – a coalizão mais marcada pela corrupção, pelo troca-troca da velha política, que ele prometia combater. Duas bandeiras saíram muito desgastadas dessa operação: luta contra a corrupção e contra a velha política.
Esse movimento teve que ser compensado com o discurso da terceirização, do bode expiatório das causas da crise, tanto da recessão e do desemprego, quanto da pandemia. Ao mesmo tempo que intensificou o mais grave fenômeno político de 2020 – a militarização do governo, com a ocupação por militares de mais de 6 mil cargos no governo e dos principais postos no governo. O mais dramático para a oposição democrática foi que o fenômeno mais duro que passamos a viver – as mortes pelo vírus – não recaíram sobre Bolsonaro.
Essa situação foi mudando rapidamente. Especialmente quando o clima em relação à pandemia foi passando da dor pelas mortes à possibilidade de superação de tudo com as vacinas. Enquanto Trump flexibilizou seu negacionismo aderindo às vacinações e tentando faturar sobre elas, Bolsonaro reafirmou seu negacionismo, pregando contra a vacina, dizendo que não a tomaria, voltando a variações sem nenhum fundamento científico como suposto tratamento preventivo e até apelando a algumas das mais absurdas das suas mentiras, como dizer que o isolamento mataria mais do que a pandemia, por depressão, suicídios e pelos efeitos da recessão econômica.
Mas o entusiasmo que as vacinas despertaram agora recai duramente sobre Bolsonaro, quando ele aparece como quem frustra a possibilidade de já ter começado a vacinação no país que tinha o melhor sistema de vacinação do mundo e o desmantelou, e pela inexistência de vacinas compradas pelo Brasil, pelo desprezo do governo em ofertas para comprá-las há muitos meses atrás. Assustado pelo desgaste, Bolsonaro tentou remendá-lo em parte, apostando na compra de vacinas da Índia, tratando de pressionar o próprio primeiro-ministro daquele país, mas tudo indica que a operação da ida do voo da Azul para trazer dois milhões de vacinas, chegando de volta no domingo, fracassou, sem nova data para decolar.
A operação de resgate da imagem do governo se daria com uma cerimônia no Palácio do Planalto dia 19, com as fotos de uma idosa e um profissional de saúde tomando as primeiras vacinas, junto com o desastroso “especialista” em logística que usurpa o Ministério da Saúde. No dia seguinte começariam as vacinações em todos os estados do país.
O fracasso da vinda das vacinas da Índia e a frustração que isso gera aceleram como nunca até aqui o desgaste de Bolsonaro. Tudo o que não foi afetado pelos mais de 200 mil mortos pela pandemia, passa a ser agora.
Como efeito direto, voltam os panelaços e o clima favorável ao impeachment. Dificilmente seus mais estreitos aliados, como o Centrão e os próprios militares, deixarão de ser afetados por esse clima, eles mesmos interessados nas vacinas e sofrendo desgastes de apoiar e participar de um governo ligado à necrofilia.
A frustração com as vacinas é o mecanismo que está realimentando o clima favorável ao impeachment e pode fazer com que o ano de 2021 seja fatal para Bolsonaro e bem-vindo para a democracia brasileira.
Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
Fonte: https://www.brasil247.com