A insensatez é um processo, só pode ser captada por filme, mas a guerra da Ucrânia conseguiu fazer uma foto que concentra neste instante a falta de sensatez ao longo de décadas. Analisando casos concretos, historiadora Barbara Tuchman publicou clássico sobre a insensatez nas decisões políticas de governantes. Entre eles, a decisão de Troia de aceitar o presente dos gregos, um cavalo cheio de soldados dentro; o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam; a arrogância do Papa esnobando um simples e jovem padre chamado Martin Lutero.
A decisão de Vladmir Putin de invadir a Ucrânia muito provavelmente será um destes casos de insensatez que os historiadores futuro vão estudar. A história vai mostrar as consequências negativas da decisão do presidente para a própria Rússia.
Mesmo que as tropas russas cheguem a Kiev e os russos imponham um governo fantoche, os custos para a Rússia serão catastróficos, prova da insensatez de não ter levado em conta o apego dos ucranianos a seu país, nem da força de um líder que até pouco tempo era um ator comediante, ainda menos que os países do Ocidente se unirião para impor sanções draconianas, mesmo que tenham prejuízos. Estes custos já estão sendo mostrados pelas perdas econômicas imediatas decorrentes: inflação, desvalorização do rublo, desemprego. A Russia vai perder grande parte dos resultados que teve nas últimas décadas.
Muito maior serão as consequências no futuro: independência energética do Ocidente, armamentismo dos países limítrofes, isolamento russo por décadas adiante, fortalecimento da OTAN, desconfiança em todo o mundo, especialmente nos antigos países soviéticos.
A Ucrânia será um exemplo da insensatez da Russia sob Putin.
Mas a foto deste momento mostra uma insensatez mais antiga também dos países do Ocidente. Foi uma insensatez ter usado a fragilidade do fim da União Soviética para aumentar a presença da OTAN cercando a Rússia, um outro país, dono do maior arsenal nuclear do mundo e de frota de foguetes capaz de transportar as bombas. O sensato teria sido muito repetir o que se fez com a Alemanha depois do nazismo: oferecer apoio para a recuperação da Russia capitalista, destruída pela ineficiência do comunismo. Em troca, exigir o desarmamento nuclear universal, da Russia e de todos os países: banimento de armas atômicas no mundo.
Se a sensatez tivesse prevalecido, todos estariam hoje livres de chantagem nuclear por Putin, ou por outro governante russo no futuro, ou por futuros governos norteamericanos, até porque as únicas bombas atômicas usadas até hoje foi por um governo dos Estados Unidos. E se não for a Rússia ou os Estados Unidos, poderá ser qualquer outro dos governos que já dispõem de bomba atômica e dos diversos que em breve também terão. Ou até mesmo de grupos privados que em algum momento terão condições de produzir estas armas.
A guerra da Ucrânia é uma foto também da insensatez do consumo exagerado de enegia, sobretudos com combustível fóssil, no caso da Europa, depender do gás e do petróleo russo, em vez de diversificarem as origens e as fontes alternativas de energia. É uma insensatez consumir tanta energia, no lugar de praticar uma econômia austera, dupla insensatez basear a economia do combutível fóssil que provoca mudanças climáticas, tripla insensatez depender de um país.
A grande insensatez é decidir sem imaginar cenários alternativos, olhando apenas o imediato, sem a perspectiva de longo prazo. Foi que fizeram os gregos quando colocaram o presente dos gregos para dentro das suas muralhas, ou o Papa Leão X quando excomungou Lutero.
A verdade é que a Ucrânia é uma foto da insensatez da marcha civilizatória baseada na voracidade do consumo, no imediatismo e na arrogância do poder.
O Brasil precisa aprender com esta foto. A arrogância dos líderes de partidos democráticos, lutando entre eles, poderá levar a surpresas nas eleições de 2022, reelegendo o atual governo.
Cristovam Buarque, ex-ministro, senador e governador do DF
Fonte: https://www.metropoles.com