Marina Silva teve uma grande vitória ontem, com o anúncio da queda robusta do desmatamento na Amazônia, um dos carros-chefes de sua pasta e grande preocupação do mundo em relação ao Brasil. A divulgação dos dados e a forma como a ministra fez questão de enfatizar em suas declarações a importância histórica e política deles mostram que ela está muito diferente daquela Marina que ocupou o mesmo ministério duas décadas atrás.
Por muito tempo, a titular do Meio Ambiente sofreu com uma pecha que lhe impingiram de forma sorrateira e cínica: era intransigente, inflexível, intratável. Foi muito conveniente para que as derrotas que sofreu pela falta de convicção ambiental do governo fossem debitadas da sua conta.
Depois, como candidata e nos anos em que esteve fora de mandatos eletivos e cargos executivos, Marina passou a ser vítima de outra forma de assédio narrativo. Vinha na forma de notinhas e memes. Diziam que ela era “sumida”, que se omitia em momentos graves da vida nacional e só aparecia em eleições, o que nunca chegou nem perto de representar a verdade.
Parece que tanta pancada teve o efeito de engrossar ainda mais o couro da ministra para a briga, mas teve outro efeito mais surpreendente para quem sempre acompanhou sua trajetória: Marina aprendeu a bater bumbo para as próprias conquistas.
Passou a comunicar diretamente, sem intermediários nem a timidez do off, os avanços que obteve em pouco tempo, com recursos orçamentários e humanos ainda reduzidos, muitas vezes contra a vontade e o trabalho de colegas de ministério, do Legislativo, de governos e daqueles que precisa enfrentar — os grileiros, mineradores clandestinos, a parcela dos produtores rurais que praticam crimes ambientais etc.
Marina aprendeu a se impor numa briga cada vez mais dura, uma vez que seus adversários nos territórios avançaram livremente durante o governo Jair Bolsonaro, incentivados pelo próprio presidente, e os rivais internos contam com o viés, cada vez mais explícito, do governo no rumo do nacional-desenvolvimentismo do século XX.
A forma como ela passou a comunicar os avanços da agenda ambiental enfraquece esse grupo porque não antagoniza com ele. Pelo contrário: em todas as suas falas, Marina credita antes de tudo ao próprio Lula as vitórias em menos de 12 meses.
Segundo a ministra, é graças ao claro comando presidencial que as ações de enfrentamento ao crime organizado na Amazônia puderam ser empreendidas. Ela é sempre a primeira a lembrar que, dos dez decretos assinados pelo presidente no primeiro dia de mandato, cinco eram na área ambiental.
A inteligência dessa estratégia está em colocar o presidente como aliado seu, e não daqueles que querem pressioná-la a aceitar projetos que considera deletérios para que se avance ainda mais rumo ao prometido (por Lula) desmatamento zero em 2030.
Ela não precisa subir no caixote para bradar contra a Ferrogrão, a BR-319 ou a exploração de petróleo na Margem Equatorial. A esperada reação positiva do mundo à queda do desmatamento e as oportunidades de negócios e acordos comerciais, inclusive o destravamento das negociações do Acordo Mercosul-União Europeia, seriam trunfos poderosos para convencer Lula a endossar Marina não apenas nos salões internacionais em que desfila com ela, mas nessas quedas de braço.
Já falei aqui várias vezes a respeito da minha convicção de que Marina e Fernando Haddad são os ministros que trazem a Lula a passagem para o século XXI, enquanto o restante das agendas do governo tem cara de #tbt, aquela retrospectiva que se faz de tempos dourados nas redes sociais.
Terminar o ano com uma antes improvável reforma tributária aprovada nas duas Casas do Congresso e com o desmatamento em queda livre dá a Lula o discurso de superação do atraso bolsonarista em áreas para além da já essencial garantia da democracia. Será que o presidente também notou que essa ministra tá diferente?
Vera Magalhães, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/